O desenho geopolítico da quinta geração de telefonia celular indica a rápida formação de dois polos globais de poder: Estados Unidos e China. Metade das patentes que sustentarão as novas redes de transmissão em todo o planeta, porém, pertencem a empresas da Europa.
Esta é uma das principais credenciais do Velho Continente na disputa aberta por influência no mundo da 5G, segundo o ministro conselheiro da Delegação da União Europeia no Brasil, Carlos Oliveira. Os chineses, comparou, respondem por cerca de 30% das patentes. Os americanos, por 14%.
A menos de um ano do lançamento do edital para implantação da quinta geração de telefonia celular, o Brasil corre o risco de se ver arrastado para o centro de uma disputa crescente de poder entre as duas maiores economias do mundo.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem recorrido a argumentos pouco sutis para convencer governos de diversas partes do mundo a barrar a participação da empresa chinesa Huawei na construção das novas redes de 5G. Sempre sob o argumento de que a participação chinesa colocaria em risco a segurança dos dados que transitarão nas novas redes.
A Huawei reitera que seus equipamentos manterão o sigilo dos dados. Mas enfrenta não só uma campanha política lançada por Washington, como também sanções que a impedem, por exemplo, de instalar em seus telefones celulares aplicativos desenvolvidos pela norte-americana Google.
Alternativa
No meio dessa tensão crescente, a Europa procura se posicionar como um polo alternativo de poder. Seja como consumidora, ao permitir – sob determinadas condições – que a Huawei participe de seus leilões de 5G. Seja como produtora, ao sustentar a idoneidade e o avanço tecnológico de suas principais fabricantes de equipamentos, Ericsson e Nokia.
As duas empresas, recorda o ministro conselheiro, são auditadas, oferecem ações em bolsas e têm independência face aos governos dos países onde estão as suas sedes, Suécia e Finlândia. No caso do Brasil, as duas empresas, juntas, respondem por cerca de 60% das atuais redes 4G, da quarta geração de telefonia celular.
“Vemos de forma positiva que as empresas europeias detenham atualmente essa cota do mercado e esperamos, no futuro, manter a liderança na quinta geração”, afirma Oliveira, que chefia, na delegação, o setor de Sociedade de Informação e Mercado Digital.
O governo brasileiro tem anunciado a intenção de publicar ainda em 2020 o edital para a implantação da 5G no país. E vem sofrendo forte pressão por parte do governo dos Estados Unidos para impedir a participação da Huawei na implantação da nova rede.
O presidente Jair Bolsonaro quer evitar conflitos com seu colega Trump. Ao contrário, adota em seu governo uma política declarada de aproximação com os Estados Unidos. Por outro lado, as empresas de telecomunicações instaladas no país não querem se ver proibidas de adquirir equipamentos chineses para as novas redes.
Outras empresas estão interessadas em fornecer equipamentos para as operadoras brasileiras, como a japonesa NEC, a norte-americana Qualcomm e a coreana Samsung. Mas Huawei, Ericsson e Nokia despontam como favoritas, até por sua atual participação no mercado.
Segundo Carlos Oliveira, as empresas europeias têm uma qualidade essencial: a longa presença em território nacional. A Ericsson, cita, já está no Brasil há quase um século.
Cooperação
Na esfera pública, a cooperação bilateral também é intensa. Por meio de parceria entre as duas partes já foram investidos 50 milhões de euros em projetos conjuntos de pesquisa na área digital, envolvendo órgãos como o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Entre os temas pesquisados estão a 5G, a internet das coisas e a computação em nuvem.
A União Europeia convidou o Brasil a participar de um esforço conjunto internacional em defesa da segurança das redes. Para isso, mantém intenso intercâmbio técnico com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
“A União Europeia tenta adotar a abordagem mais objetiva possível”, diz Oliveira. “Fazemos estudos de vulnerabilidades dos sistemas de 5G e queremos aprofundar o trabalho para que as redes sejam tão seguras quanto possível”.
A objetividade, no caso, tem o peso de argumento político. Isto porque os argumentos sobre as vulnerabilidades das novas redes podem camuflar preocupações geopolíticas. A quinta geração representa mais que um aperfeiçoamento da atual 4G. Ela será a base tecnológica para setores econômicos promissores, como a internet das coisas.
Assim como americanos e chineses, os europeus estão apresentando seus argumentos ao Brasil. Os próximos meses dirão como o governo brasileiro vai se posicionar diante desse grande desafio não apenas tecnológico, mas também geopolítico.
Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.