Buscamos explicações analógicas para a onda devastadora que levou a direita à liderança do primeiro turno e varreu os estados. A Lava Jato. O antipetismo. A escalada da violência no país. A crise da economia. O desgaste geral dos políticos, reforçando o discurso da antipolítica. Tudo isso concorreu e está na origem de comportamentos verificados no último domingo.
Mas isso explica tudo? O que se comenta nos bastidores é que o gatilho que parece ter disparado o tiro final – para ficar na linguagem bolsonariana que daqui a uns dias poderá ser hegemônica -, aquele que deflagrou a onda conservadora nos dias que antecederam a eleição, foi acionado nos subterrâneos da Internet.
Até domingo, opiniões se dividiam no Brasil em relação à influência das redes. Boa parte do establishment político ainda é analógico, e se convenceu com os argumentos de Geraldo Alckmin, por exemplo, de que o quadro ia mudar depois que usasse seu latifúndio de tempo que na propaganda da TV.
Não mudou, ainda que não só em função disso, já que contaram outras circunstâncias, como uma facada no candidato do PSL em plena campanha. Mas Jair Bolsonaro, o candidato que vinha sendo construído há mais de dois anos nas redes sociais, ocupou o segundo e o primeiro lugar nas pesquisas durante toda a corrida presidencial.
Que a política ficou digital e muita gente não percebeu, não há dúvidas – embora não exista no Brasil de hoje candidato que não tenha usado as redes de alguma forma. Não se trata, porém, de simplesmente usar a internet para se comunicar com o eleitor. A coisa é muito mais complicada.
Tudo indica que o esquema que está por trás de campanhas vitoriosas como as de Bolsonaro e seus aliados, apesar de aparentemente desorganizado e caótico, tenha utilizado instrumentos sofisticados do chamado Big Data. É aquela técnica que identifica o comportamento dos eleitores nas redes sociais às quais se conecta, acompanha seus cliques e preferências, estuda seu perfil – isso se chama psicometria -, usa dados e cadastros de outras fontes, que são facilmente vendidos, e até recursos de georeferenciamento para chegar ao eleitor e ao discurso que vai capturar seu voto.
Em grande escala, isso foi feito na Europa, na campanha do Brexit, na campanha de Donald Trump nos Estados Unidos e, num ambiente um pouco menor, na eleição de João Dória para a Prefeitura de São Paulo. Agora, nas eleições gerais de 2018, esses recursos estão sendo amplamente usados, em aplicativos e redes sociais – sobretudo o WhattsApp – para fazer circular as mais variadas mensagens, vídeos, memes, Fake News contra os adversários, etc. O polêmico Steve Bannon, ex-assessor de Trump e responsável pelo sistema em sua eleição, apareceu há semanas atrás em foto com um dos filhos de Bolsonaro que circula nas redes.
Não há razão para surpresa, e nem se trata de teoria conspiratória. No Brasil de hoje, há mais celulares do que cidadãos. E, enquanto a Justiça Eleitoral fica lá, com seus prazos analógicos, mandando o Facebook tirar páginas ofensivas do ar e pedindo dados que nunca receberá de empresas como o Google e outras donas de aplicativos, o tempo passa e as eleições são ganhas e perdidas.
É claro que, para se montar um esquema desses, é preciso um bom dinheiro, e até ajuda no exterior. Lá nos EUA descobriu-se, depois, que os tentáculos dessa armação subterrânea eram mais profundos do que se supunha, chegando aos órgãos de espionagem e inteligência russos. Mas Hillary já tinha perdido a eleição. Tarde demais.
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação