As urnas de 2018 e a altivez do Congresso
A altiva disposição do eleitor de renovar o Congresso em 2018 não merece ser convertida numa degradante vassalagem
Editorial de O Estado de S. Paulo (28/1/2021)
As eleições legislativas de 2018 proporcionaram um fato inédito. Velhos nomes da política não foram eleitos, ao mesmo tempo que muitos novos candidatos conseguiram uma cadeira no Congresso. Tão logo se encerrou a apuração dos votos, o fenômeno ficou evidente. Mesmo com um sistema eleitoral cheio de defeitos, o eleitor tinha conseguido promover uma contundente renovação da Câmara e do Senado.
De fato, os números das eleições legislativas de 2018 são impressionantes. Mais de 50% dos membros da Câmara e 85% dos eleitos para as vagas no Senado eram de novatos na política ou de políticos que estavam fora e voltaram.
Naturalmente, o “novo” não é necessariamente sinônimo de benéfico para o País. Mas aí está outro importante aspecto das eleições de 2018. O eleitor não apenas promoveu uma renovação inédita do Congresso, como essa renovação transmitiu uma orientação clara para os parlamentares eleitos. Cansada das velhas práticas políticas, a população queria uma profunda renovação não apenas de nomes, mas principalmente de costumes e práticas políticas.
Nas urnas de 2018, o eleitor estabeleceu um novo patamar moral e cívico para a política. O que havia sido tolerado por tantos anos, às vezes por décadas, já não deveria mais ser permitido. Não haveria mais tolerância, por exemplo, para transformar a atividade parlamentar em balcão de negócios. Os escândalos do mensalão e do petrolão tinham mostrado, com abundância de detalhes, os males que a corrupção da política causa ao País.
Todo esse impressionante cenário de 2018, tão próprio da democracia – o eleitor manifestando com o voto o que deseja para o País –, não pode ser esquecido às vésperas das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Um Congresso eleito com tamanha taxa de renovação e chamado a renovar os costumes políticos não pode se esquecer de sua origem. Em outras palavras, não cabe a um Congresso minimamente fiel à vontade das urnas de 2018 eleger os dois candidatos do Palácio do Planalto para as presidências das duas Casas.
Basta ver, por exemplo, que Arthur Lira (Progressistas-AL), condenado em segunda instância por improbidade administrativa, só tomou posse como deputado federal em 2019 em razão de liminar do Tribunal de Justiça de Alagoas. Parece ser uma troça com os anseios da população por uma nova moralidade pública alçar, pouco mais de dois anos depois, o deputado alagoano à presidência da Câmara.
Além disso, os dois candidatos do Palácio do Planalto colocam-se a uma grande distância de qualquer compromisso com as reformas, outra grande pauta das eleições de 2018. As recentes manifestações de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) mostram disposições bem mais modestas. Mais do que mudanças legislativas estruturantes, o que suas respectivas campanhas anunciam é um eficaz sistema de atendimento de interesses.
Mas há ainda outro aspecto mais dramático. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado colocam à prova a própria autonomia do Congresso, enquanto Poder independente em um Estado Democrático de Direito. Com os seus votos, deputados e senadores não apenas escolherão os nomes que vão presidir a Câmara e o Senado, respectivamente. Eles definirão a identidade do Congresso perante o Executivo nos próximos dois anos.
De alguma forma, esse é o principal aspecto da relação entre a vontade da população e as eleições deste ano para as duas Casas legislativas. Nas urnas de 2018, o eleitor condenou a tentativa das administrações petistas de subjugar o Legislativo aos mandos do Executivo por meio do mensalão e do petrolão. Agora, há o risco de que parlamentares eleitos por essa mesma disposição moralizadora venham a instaurar uma nova servidão no Congresso, tornando-o submisso ao Palácio do Planalto – ou um órgão subalterno para cumprir as vontades de Bolsonaro.
A altiva disposição de renovar a política de 2018 não merece ser convertida numa das mais degradantes vassalagens que se conhece na política – o Legislativo que se aniquila perante o Executivo. A Venezuela trilhou esse caminho.