Por Editorial de O Estado de São Paulo
O gerente de políticas públicas e eleições globais do WhatsApp, Ben Supple, admitiu recentemente que empresas infringiram os termos de uso do aplicativo de comunicação e fizeram disparos massivos de mensagens durante a eleição presidencial do ano passado no Brasil. “Houve empresas que mandaram mensagens em grandes quantidades e que violaram nossos termos de serviço para chegar a públicos maiores”, disse Supple em palestra sobre jornalismo na Colômbia.
A legislação eleitoral permite o impulsionamento de conteúdo nas redes sociais para atingir um grande número de usuários, desde que esse uso seja claramente identificado e que seja objeto de contrato acertado exclusivamente entre os partidos e as plataformas de redes sociais. Empresas privadas não podem nem financiar esse impulsionamento nem fornecer base de dados para a disseminação das mensagens. Além disso, a lei só permite o impulsionamento automático por meio de software fornecido pela própria rede social para esse fim. Portanto, como o WhatsApp agora informa que o aplicativo não permite que empresas impulsionem mensagens em massa, isso significa, ao menos em tese, que houve violação da lei eleitoral.
Essa possível irregularidade é objeto de ação no Tribunal Superior Eleitoral contra o presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura no ano passado teria sido beneficiada pelo disparo em massa de mensagens no WhatsApp. O processo está na fase das alegações finais do Ministério Público, mas o relator do caso, ministro Jorge Mussi, informou que “não há indícios” de que a campanha de Bolsonaro tivesse conhecimento da suposta contratação de disparos em massa no WhatsApp para prejudicar adversários do candidato. O fato é que houve disparos em massa de mensagens com teor político pelo WhatsApp durante a campanha e essas mensagens podem ter tido influência considerável no desfecho da eleição.
A disseminação de informações deve ser a mais livre possível, especialmente em época de eleições, mas também é importante enfatizar que a desinformação deve ser combatida por todos que têm compromisso com a saúde da democracia. Mensagens destinadas exclusivamente a confundir a opinião pública, baseadas em falsidades flagrantes, não podem ser consideradas como parte legítima do debate político.
Com o advento das redes sociais, milhões de cidadãos passaram a tomar suas decisões com base em informações que recebem por esses meios. Considerando-se que metade dos brasileiros com acesso à internet diz se informar pelo WhatsApp, conforme pesquisa do Reuters Institute Digital News Report do ano passado, é possível medir o grau de influência dessa rede, em especial, numa campanha eleitoral.
Assim, não é pequena a responsabilidade do WhatsApp e de outras redes na disseminação de notícias falsas e de teorias da conspiração, que ajudam a intoxicar a atmosfera da política. Em várias partes do mundo, essas redes têm sido chamadas às falas por tribunais e governos, tirando-as da posição de “neutralidade” que dizem adotar – afinal, não é possível ser “neutro” quando a democracia está sendo arruinada por liberticidas virtuais cujo anonimato é garantido pelo próprio sistema das redes.
Ao virem a público para admitir que empresas efetivamente fizeram disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha eleitoral do ano passado, seus administradores de certa forma reconhecem que seu sistema continua falho, mesmo depois das providências para reduzir a quantidade de compartilhamento de mensagens.
Considerando-se que as empresas responsáveis pelas redes sociais habitualmente lavam as mãos ante os abusos cometidos nesse ambiente, tal reconhecimento é um avanço. Mas é pouco. Os gestores do WhatsApp e de seus correlatos devem entender que essas redes há muito deixaram de servir à inocente troca de mensagens privadas e familiares, tornando-se um gigantesco mecanismo de desinformação a serviço de bem organizados inimigos da democracia.