A prisão de Lula não encerra a crise; coloca-a em novo (e mais complexo) patamar. A bagunça que promoveu, país afora, confirmou que o número dos que o seguem, embora barulhentos e violentos, é cada vez menor. O PT, definitivamente, perdeu povo.
Mas não perdeu a capacidade de agir no tapetão. O partido ainda deposita suas esperanças no STF. É lá que estão as duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) que tratam da prisão em segundo grau. O relator, ministro Marco Aurélio, contrário a essas prisões, vai levar o tema ao plenário na quarta-feira.
Se a maioria – e ela já parece estabelecida – entender que as prisões só devem ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que equivale a quatro instâncias de apelação, Lula não ficará nem uma semana na cadeia.
Nem ele, nem a clientela enjaulada pela Lava Jato. Entre outros, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Antonio Palocci, João Vaccari. De quebra, o recurso às delações premiadas, vital para o desbaratamento dos crimes de colarinho branco, perde sua razão.
Com a exigência do trânsito em julgado, reabre-se larga avenida para recursos e apelações, que podem levar anos e nem se consumar, provocando a prescrição da pena. Basta dispor de bons advogados, que jamais faltaram aos ladrões engravatados, e tudo voltará a ser como sempre, no generoso país da impunidade.
A menos que algum ministro do STF recue de posição já proclamada, isso irá ocorrer. Já no seu voto, embora contrário ao habeas corpus a Lula, a ministra Rosa Weber reiterou ser contrária à prisão em segundo grau. Rejeitou o HC, segundo disse, em respeito à jurisprudência vigente (estabelecida há pouco mais de um ano pela terceira vez), que a autoriza. Mas postula nova revisão.
Nesses termos, o voto da ministra, que garantiu maioria (6 a 5) contra o HC de Lula, inverterá o resultado quando do julgamento das ADCs. A favor do trânsito em julgado, além de Rosa Weber, estão os ministros Celso de Melo, Marco Aurélio, Lewandowski, Toffoli e Gilmar Mendes. Ou seja, seis dos onze ministros.
Confiante nessa manobra, Lula se recusou ontem a apresentar-se espontaneamente à prisão, em busca de torná-la um acontecimento político. É que, paralelamente ao que ocorre no âmbito do STF, há manobras que buscam colocá-lo como preso político, o que o deixaria não apenas solto, mas com aura de perseguido e ficha limpa para se candidatar.
É improvável que o consiga, mas está tentando.
O Brasil é signatário do pacto de San Jose da Costa Rica, de 1969, que, entre outros postulados, condena prisões políticas. E os advogados de Lula lutam para inseri-lo nessa categoria, embora nela não caiba de modo algum, já que os crimes que cometeu – e que se reproduzem em mais seis processos – são de ordem penal: corrupção passiva, roubo, lavagem de dinheiro.
Mas o PT confia na solidariedade de um tribunal internacional sob domínio de grupos ideológicos afins. E tem o apoio de entidades da sociedade civil brasileira. No dia seguinte à negação do habeas corpus, suas lideranças reuniram-se em Brasília com bispos da CNBB.
A entidade, uma das matrizes do partido, busca um meio de reabilitar moralmente Lula, sob os protestos de sua ala ortodoxa e à revelia de sua doutrina. O PT dividiu também a Igreja Católica.
Na contramão dessas manobras, ecoam as palavras do comandante do Exército, general Villas Boas, advertindo para as consequências institucionais do ambiente de impunidade no país.
Foi a primeira manifestação de um chefe militar em 33 anos de Nova República. Sua fala, à revelia de Temer (réu em crimes semelhantes aos de Lula), demonstra, sem o explicitar, a vacância da Presidência da República. A crise, como se vê, entra em novo estágio.
Ruy Fabiano é jornalista