Volto a abordar a questão da Selic no STJ devido ao significativo impacto que terá sobre o pagamento de dívidas civis. Desde agosto do ano passado, aguarda julgamento o Recurso Especial n.º 1.795.982 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi afetado à Corte Especial como Recurso Repetitivo, após um acertado pedido de vista coletiva feito pelo Ministro Benedito Gonçalves.
A controvérsia em questão diz respeito à escolha entre o uso da taxa Selic ou a correção monetária acrescida de juros moratórios à taxa de 1% ao mês para corrigir dívidas civis, de acordo com o artigo 406 do Código Civil.
Dada a clara importância desse tema, diversas instituições interessadas se manifestaram nos autos na qualidade de amici curiae após a afetação do Recurso Especial, incluindo o Banco Central (BACEN), a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Essas entidades não apenas têm mecanismos de correção monetária inerentes às suas atividades, mas também possuem maior expertise para debater a variação e aplicação de diversos índices em contextos de dívidas civis. Vale destacar a relevância técnica da posição do Banco Central, especialmente após a recente autonomia conferida a ele por inovação legislativa.
Em suas manifestações, esses stakeholders não apenas defendem, com base em dados concretos, a consistência da utilização da taxa Selic para uma correção inflacionária mais precisa, mas também apontam a ilegalidade da aplicação de um índice distinto, oferecendo análises técnicas isentas de influências políticas. Eles destacam o interesse macroeconômico e a legalidade da aplicação da taxa Selic.
Além disso, nos autos, fica evidente o potencial incentivo para um aumento de litígios. Isso ocorre porque a taxa de 1%, ao contrário da taxa Selic, compensaria desproporcionalmente o credor, desvinculando essa taxa do comportamento geral do mercado. Com a utilização da Selic, essa discrepância não ocorreria, já que ela influencia diretamente diversas taxas de juros no país, sendo considerada a taxa básica da economia, equilibrando a correção monetária pelo IPCA-E e a aplicação da taxa de juros de 1% ao mês.
Adicionalmente, a FEBRABAN demonstrou que, nos últimos 20 anos, a variação da Selic superou consistentemente a inflação (exceto durante a pandemia, um cenário completamente atípico), comprovando sua eficácia na correção de dívidas civis. Quanto aos argumentos da CNSeg, foi ressaltado que a taxa de juros de 1% ao mês prejudica o setor de seguros, aumentando o passivo das seguradoras, sem que existam instrumentos financeiros que garantam essa remuneração.
Além disso, em 01 de dezembro de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma decisão no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.047, que abordou a constitucionalidade da taxa Selic para a atualização de todas as dívidas da Fazenda Pública. Essa decisão rejeitou os argumentos de que a taxa não representa um índice inflacionário e é arbitrariamente determinada pela Administração Pública, o que tem uma correlação direta com o objeto do Recurso Repetitivo.
Essa ADI visa discutir as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 113/2021, incluindo o artigo 3º, que estabelece a aplicação da taxa Selic em casos envolvendo condenações contra a Fazenda Pública. Este artigo possui uma correlação direta com a aplicação do artigo 406 do Código Civil (objeto de discussão no Recurso Repetitivo), uma vez que estipula que, na ausência de convenção, as taxas serão fixadas com base na taxa em vigor para o atraso no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Entre os principais argumentos do Plenário do STF para rejeitar a mencionada ADI em relação ao artigo 3º da Emenda Constitucional e reconhecer a legitimidade da aplicação da taxa Selic, está o fato de que esta não possui componente político e é o melhor índice inflacionário para refletir a realidade, uma vez que é estabelecida pelo BACEN, um órgão cujos objetivos incluem o controle da inflação, entre outros.