“Me coloquem num Land Rover e me levem para Windsor”. Assim Philip falou como deveria ser seu enterro.
Na verdade, usando um privilégio da realeza, ele ajudou a planejar em detalhes uma cerimônia elaborada, com a participação de representantes de todas as instituições militares das quais foi comandante de honra e das entidades benemerentes que patrocinou.
Por causa da Covid, os números foram grandemente encolhidos. Sem público, dentro da área do castelo de Windsor, só 30 familiares estarão presentes. Mas não vão faltar pompa, tiros de canhão, gaitas de fole, uniformes de gala e outros adereços que fazem a glória do cerimonial da monarquia.
A única parte do pedido de Philip que será cumprida ao pé da letra é o Land Rover adaptado como carro fúnebre, com sugestões do próprio príncipe.
Mas, como é um fato da vida, todas as atenções estarão voltadas para a linguagem corporal dos dois netos mais conhecidos de Philip, William e Harry, enquanto marcham atrás do caixão de carvalho com uma camada de chumbo.
Os dois irmãos estarão mais próximos de uma reconciliação? Deixarão entrever pistas de seu estado de espírito? Que roupa Harry vai usar, considerando-se que perdeu o direito aos uniformes espetaculares que tinha quando estava na ativa como membro da família real?
O clima entre os dois já era pesado e piorou muito depois da entrevista de Harry e Meghan em que choraram as mágoas e fizeram acusações falsas de que o filhinho, Archie, perdeu o direito a segurança bancada pelos cofres públicos por mesquinharia da família real, sobre a qual foi levantada uma acusação não especificada de racismo.
“Fontes” – membros da equipe de comunicação da família que falam sob sigilo com a imprensa – deixaram entrever a reação furiosa de William, ofendido pelo irmão ao ser descrito como um pobre coitado preso numa engrenagem da qual não pode se libertar. Sem falar na acusação de Meghan que foi Kate quem a fez chorar num episódio banal dos preparativos do seu casamento.
Brigas entre irmãos e cunhadas dão confusão em qualquer família. Quando envolvem um irmão que vai ser rei e outro que será o eterno número dois – caindo para três, quatro, cinco e seis, conforme o herdeiro vai tendo filhos – a rivalidade pode ser intransponível.
Andrew Morton, o jornalista que escreveu uma biografia de Diana com a colaboração secreta da princesa, vê nas desavenças entre os irmãos uma versão exacerbada dos papéis que a rainha Elizabeth e sua irmã, Margaret, tinham numa relação nem sempre tranquila.
Como Elizabeth, William é ponderado e equilibrado. Harry parece mais talhado no modelo de Margaret, que dizia: “Meu trabalho é ser desobediente”.
Apesar da aura de rebelde, a princesa era mais esnobe do que a irmã e, segundo especialistas, ficaria horrorizada com o modo com quem Harry foi cooptado pela mulher americana e largou tudo para ganhar dinheiro nos Estados Unidos, entregando-se ao hábito nada aristocrático de fazer confidências num programa de televisão.
As diferenças entre os irmãos ficaram claras nos comunicados que divulgaram na segunda-feira, com apenas meia hora de diferença. Os assessores de Harry usaram uma linguagem mais informal, saudando Philip como “mestre do churrasco, lenda dos gracejos e atrevido até o fim”. Poderiam estar falando de uma celebridade veterana do mundo do show business.
Os redatores de William podem ter feito uma insinuação de maior compromisso com o dever que, juntamente com os privilégios, os dois príncipes herdaram de berço, mas do qual Harry abriu mão.
“Catherine e eu continuaremos a fazer o que ele gostaria e vamos apoiar a rainha ao longo dos anos à frente. Eu sentirei falta do meu avô, mas sei que ele gostaria que déssemos conta do trabalho”.
Não é uma linguagem de quem procura superar as desavenças com o irmão, com o qual foi criado por Diana sem diferenças de tratamento e para o qual teve que desenvolver um precoce papel de protetor depois da morte trágica dela.
Apesar dos percalços, a relação de Harry com William está menos prejudicada do que a do príncipe caçula com o pai. Na entrevista a Oprah Winfrey, ele reclamou que Charles o “cortou financeiramente”, como se um homem de 37 anos precisasse depender da mesada paterna. Disse também que Charles tinha deixado de atender seus telefonemas – pedindo dinheiro, como ele deu a entender.
Como toda a família, Philip tinha horror à imprensa, principalmente os implacáveis tabloides, e reclamava que “a mídia nos transformou em personagens de novela”.
Nisso, tinha toda razão. A novela de alcance global cujos capítulos mais interessantes se passam a portas fechadas atiça a curiosidade mundial, com desdobramentos que só chegam a público parcialmente e criam uma interessante subespécie, a dos observadores de linguagem corporal e intérpretes do significado dos mínimos gestos e figurinos.
Nesse quesito, duas curiosidades. O príncipe Andrew, obrigado a se afastar dos compromissos oficiais por causa do desastre de imagem causado por sua amizade com o pedófilo suicida Jeffrey Epstein, quer usar uma farda de marechal da Marinha, posto honorário que ocuparia se não tivesse cavado sua própria cova metafórica.
Será que a rainha dirá não a seu filho favorito?
Se Andrew for fardado, e como marechal, Harry será o único de terno – com condecorações – no pelotão de frente do desfile fúnebre. O príncipe gostaria de ter continuado como comandante honorário das unidades militares confiadas a ele, inclusive pelo avô.
Mas a rainha decidiu que não, pois o neto querido não podia ter um pé em cada canoa, um na Califórnia, com ricos contratos que exploram sua imagem, e outro na instituição que decidiu voluntariamente abandonar.
O capítulo de sábado da novela, embora compactado, vai ter recorde de audiência.