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Mundialista

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Um impressionante manifesto de oposição recebe a consagração de Xi Jinping

O autor do 'protesto do viaduto' já foi preso e as pegadas digitais apagadas da internet, mas ficam palavras marcantes contra o regime

Por Vilma Gryzinski 17 out 2022, 07h04

“Não precisamos de testes de Covid, precisamos de comida”. Assim começa o manifesto político impressionantemente curto e eficaz que apareceu num viaduto do centro de Pequim.

As frases escritas em vermelho sobre faixas brancas são um resumo das reclamações que os cidadãos chineses não podem fazer, tanto sob o regime de Covid zero que multiplica até hoje as restrições, quanto a respeito do sistema de poder que levará Xi Jinping à consagração irretorquível e possivelmente vitalícia no congresso do Partido Comunista da China que começou ontem.

Outras frases:

“Não precisamos de lockdowns, precisamos de liberdade; não precisamos de mentiras, precisamos de dignidade; não precisamos de Revolução Cultural, precisamos de reformas; não precisamos de líderes, precisamos de votos; não somos escravos, somos cidadãos”.

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“Abaixo o ditador Xi Jinping”.

Qualquer pessoa que cultiva a democracia, em qualquer lugar do mundo, poderia assinar embaixo.

Fotos e vídeos espalharam-se rapidamente pelas redes e o autor anônimo chegou a ser chamado de herói e comparado ao “homem do tanque”, o sujeito comum, com uma sacola de compras na mão, que toureou um tanque de guerra em 5 de junho de 1989, um dia depois do massacre dos estudantes que protestavam na Praça da Paz Celestial.

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O massacre selou a política cujos resultados reverberam até hoje. A abertura da economia às forças do mercado e à propriedade privada continuaria, liberando o empreendedorismo sob controle do Estado que transformaria a China na potência que é hoje.

Mas o poder continuaria sob controle estrito do Partido Comunista da China. Qualquer abertura política, previam Deng Xiaoping e outros dirigentes da época, redundaria no desmoronamento do sistema à maneira do que já havia começado nos satélites soviéticos e redundaria e na dissolução da URSS apenas dois anos depois.

No poder há dez anos, concentrando os três principais cargos – secretário-geral do PCC, líder do Comissão Militar Central e presidente da República –, Xi Jinping acrescentou seu próprio pensamento à doutrina já praticada e fez correções de rumo. Nos últimos anos, tem resgatado as raízes comunistas, cortado a asa de empreendedores que ficaram ricos demais e eliminado rivais em potencial.

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Um de seus principais instrumentos é um primor de maquiavelismo: o combate à corrupção. Ele realmente fez uma “limpeza” em quadros corruptos. Inclusive, coincidentemente, entre dirigentes que poderiam se opor a ele. Um dos casos mais recentes é o de Sun Lijun, ex-vice-ministro da Segurança Pública, condenado à morte no mês passado. O ex-ministro da Justiça Fu Zhenghua também pegou a sentença máxima, depois de confessar o desvio de 14 milhões de dólares.

Sun Lijun estava criando uma facção política, segundo os sinólogos, nomeando protegidos nos círculos do aparelho de segurança.

Seria uma tentativa interna de sabotar Xi Jinping? Quem conhece o mecanismo de partidos comunistas desde seus primórdios sabe que “facção interna” é o termo usado para tirar adversários políticos do caminho, tenham eles conspirado ou não contra o chefe e sua turma.

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Não só os peixes grandes – ou “tigres” – foram enquadrados, mas cardumes dos menores – as “moscas”, no jargão do grande líder. Xi Jinping é escolado no pensamento estratégico e mandou preparar com longa antecedência o congresso que acontece a cada cinco anos. Desde junho, foram presas nada menos que 1,4 milhão de pessoas para garantir que o congresso não terá nenhum obstáculo.

Do ponto de vista interno, a parte mais importante do primeiro discurso de Xi Jinping no congresso do partido – um mar de homens de terno preto, gravata vermelha e cabelos mais negros do que as asas da graúna – foi a que reiterou a política de Covid zero, apesar do desgaste que tem trazido.

A China continua colocando em quarentena centenas de milhares e até milhões de pessoas se um único caso da doença é detectado pelos testes constantes feitos em todas as esferas públicas. A referência no “protesto do viaduto” à falta de comida não é porque haja gente passando fome por falta de recursos, mas sim por não receber os pacotes de mantimentos distribuídos por funcionários do governo nos bairros em lockdown – com eficiência, obviamente, duvidosa.

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Em compensação, uma causa popular como o combate à corrupção foi exaltada em termos dramáticos. “A corrupção é o maior câncer que afeta a vitalidade e a prontidão do partido”, disse, prometendo continuar o combate a ela “numa escala sem precedentes na nossa história”.

Detalhe: segundo um levantamento feito há dez anos pela Bloomberg, a fortuna da família Xi, em especial a irmã e o cunhado do grande líder, bate em 1 bilhão de dólares. Os fundos apurados estavam em imóveis, empresas mistas ou estatais, telecomunicações e até terras raras, os minérios que movem da indústria eletrônica.

A política de Covid zero e as mudanças estruturais na economia criaram condições para um desempenho econômico menos exuberante do que nas últimas décadas, mas a grande maioria dos chineses continua a se beneficiar de um padrão de vida inimaginável em qualquer período de uma história de três mil anos. Um número impossível de ser quantificado talvez concorde com o autor anônimo do protesto do viaduto quando escreveu, da forma extremamente sintética que a língua chinesa e seus caracteres, “não somos escravos, somos cidadãos”.

Mas pouquíssimos estão dispostos a assumir isso. Xi Jinping está com tudo na mão, desde o controle do partido até uma população de 1,4 bilhão de pessoas.

É possível que não espere até o próximo congresso, daqui a cinco anos, para tomar Taiwan, por “métodos pacíficos”, mas “sem renunciar ao uso da força”, como disse no congresso. Daí vamos ver um tranco mundial que faria a guerra na Ucrânia parecer um simples aperitivo.

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