Reino pós-Brexit: as mulheres na guerra dos tronos
Disputa pela sucessão nos partidos parece um matriarcado; uma das candidatas tem sua própria esposa
Como todo mundo que escreve a respeito menciona o fato lá pelas linhas finais, para não parecer que está dando um destaque preconceituoso, vamos tirar logo o elefante da sala. A parlamentar Angela Eagle, que quer disputar a liderança do Partido Trabalhista, tornando-se assim candidata a primeira-ministra do Reino Unido na próxima eleição, é casada e vive feliz há mais de vinte anos com uma engenheira.
Angela é uma das duas mulheres que disputam a sucessão partidária depois do massacre político provocado pela aprovação popular à saída do país da União Europeia. A outra é Theresa May, candidata mais cotada entre parlamentares e membros do Partido Conservador, a enfrentar Boris Johnson na disputa pela liderança e, portanto, pelo lugar de David Cameron na famosa casa número 10 de Downing Street, a residência dos primeiros-ministros.
A disputa entre os tories ficou mais embolada depois que Michael Gove, o ministro da Justiça que, antes da adesão algo oportunista de Boris ao Brexit, era a figura mais conhecida da campanha pela saída, anunciou que também está na disputa.
Por trás do pouco teatral e tímido Gove também existe uma mulher, no papel mais convencional de motor das ambições do casal. Ou, como obviamente dizem na Inglaterra, Lady Macbeth.
Sarah Vine entrou no primeiro plano da guerra dos tronos com uma gafe do tipo que apavora todo mundo: mandou um e-mail para o endereço errado. Na mensagem destinada ao marido, ela o instrui, com maiúsculas nos trechos mais imperiosos, a enfrentar Boris Johnson, supostamente seu maior aliado. No dia seguinte, Gove anunciou sua candidatura.
Sarah e Gove se conheceram quando eram jornalistas no Times. Ele foi para a política e ela continuou no jornalismo. Escreve atualmente para o Daily Mail, o imperdível tabloide. Eram amigos íntimos, do tipo de passar fins de semana e férias juntos, de David Cameron e sua mulher, Samantha.
A amizade acabou. Ainda mais depois que a discreta e chique Samantha, filha de um barão e enteada de um visconde, reclamou numa festa que Sarah havia publicado conversas particulares. Sarah Vine deu para escreveu o pronome “nós” quando fala das próximas e vitais decisões pós-Brexit. Jornalistas sibilinos a apelidaram de Sarah Vain, ou vaidosa.
Vaidade ou exibicionismo é tudo o que não se vê em Angela Eagle. Ela é séria, competente e dedicada à causa do partido, numa esfera menos à esquerda do que Jeremy Corbyn, mas nem de longe próxima da Terceira Via de Tony Blair.
Angela tem uma aliada incondicional no Parlamento: sua irmã gêmea Maria. As duas trilharam a mesma trajetória. Filhas de um casal da classe operária, entraram em Oxford e são campeãs de xadrez. Embora não sejam idênticas, são tão parecidas que usam cabelos diferentes para não causar confusão. Angela tem cabelo loiro bem curtinho. Maria usa um penteado mais comprido, castanho. Ela se apresenta, de brincadeira, como a gêmea que não é lésbica.
Ambas têm vaidade zero, o que não significa que não tenham ambição – uma palavrinha besta, raramente usada no caso de homens. Angela só entrou para o gabinete paralelo de Corbyn por uma circunstância conhecida no Brasil: havia poucas mulheres e ela foi uma espécie de cala-boca às reclamações de misoginia.
Teve uma atuação brilhante num ritual delicioso do Parlamento britânico: as perguntas do partido da oposição ao primeiro-ministro. Angela Eagle substituía o encarregado habitual do Partido Trabalhista e George Osborne, o ministro da Economia, respondia em lugar de Cameron, em viagem ao exterior. Segura de si e no controle total da situação, deu um suadouro em Osborne. Quando voltou, Cameron a cumprimentou e perguntou por que aparecia tão pouco. “Viaje mais”, respondeu Angela.
Se Angela Eagle e Theresa May, que tem um estilo diferente, mas também sem jogo para a galera, forem eleitas, os dois partidos tradicionais terão mulheres na liderança simultaneamente pela primeira vez. O governo da Escócia já é chefiado por uma mulher, Nicola Sturgeon, aguerrida e frequentemente antipática defensora da independência do país, um assunto que se tornou mais importante ainda depois do voto Brexit.
Pairando como uma esfinge de expressão neutra acima de todos esses assuntos do dia-a-dia, está a rainha Elizabeth II. O que ela menos gostaria de ver seria a dissolução de seu Reino Unido, com a saída da Escócia e até, muito eventualmente, da Irlanda do Norte. Publicamente, não pode dar uma única opinião. Mas seria interessante ver como esse matriarcado se relaciona em tempos tão cheios de novidades.