Feios, sujos e rasgados, os militantes do Die Grüne, o partido verde alemão, apareceram na política nacional na década de 80 com plataformas tão radicais que não pareceriam fora de lugar no Camboja de Pol Pot.
A vida e a realidade política deram uma limada nas ideias mais extremistas e na imagem que cultivavam de ódio a todas as instituições alemãs com algum resquício de nacionalismo, incluindo-se na lista o hino nacional e a bandeira. Ou o próprio país, como no caso da deputada verde que proclamou: “Eu odeio a Alemanha”.
Do lado oposto, forças mais conservadoras fizeram o movimento contrário e se aproximaram de princípios ambientalistas, a tal ponto que Angela Merkel, cientista do complexo ramo da química física, tomou a iniciativa de criar um cronograma para o fim das usinas nucleares – uma decisão quase impensável numa Alemanha tão carente de fontes energéticas.
Culminando o movimento de recolocação no cenário político, os verdes escolheram Annalena Baerbock, uma deputada de 40 anos, ex-competidora de salto ornamental, como a mulher que vai disputar a chefia do governo com a coligação democrata-cristã e o Partido Social Democrata, melancolicamente substituído pelos ambientalistas como segunda maior força política do país.
Baerbock chegou com o discurso de renovação na ponta da língua.
“A Alemanha precisa de um novo começo. Com os verdes, haverá um estilo novo de fazer política, de trabalhar em conjunto e não uns contra os outros”, disse ela.
É claro que ela precisou de um certo estilo antigo de pisotear os adversários para conseguir a indicação que a coloca à frente do partido hoje em segundo lugar na preferência do eleitorado.
Foi tudo negociado a portas fechadas e o candidato derrotado, Robert Habeck, saiu cobrindo a adversária de elogios – “uma mulher combativa, focada, forte, que sabe exatamente o que quer e defende apaixonadamente a agenda ambiental”.
Como a Alemanha tem um sistema parlamentarista, alcançar um pouco acima de 20% dos votos já coloca um partido na lista de candidatos a formar um governo de coalizão.
No momento, os verdes estão com 23% das preferências, um prodígio atribuído à movimentação do partido em direção ao centro e ao desgaste natural da democracia-cristã, mesmo tendo uma líder confiável e admirada como Angela Merkel.
Fora a pandemia e o atraso que só começa agora a ser compensado na vacinação, os democratas-cristãos também estão se desgastando por não chegar a um consenso sobre o candidato a substituir Merkel.
Os dois mais cotados, Armin Laschet e Markus Söder, tiveram no fim de semana um encontro que deveria ter resolvido o assunto, mas o impasse se estendeu por tempo demais. Angela Merkel finalmente declarou apoio a Laschet, ex-jornalista católico que pode ser tudo, menos um competidor no quesito “caras novas” com Annalena Baerbock.
Atualmente, a coligação democrata-cristã tem 27% das preferências, uma derrocada notável, mas ainda suficiente para contar que será o partido mais votado em setembro. Em cinco meses, porém, a maré poder mudar.
O Partido Verde alemão nasceu de movimentos estudantis e de ocupação de prédios que se disseminaram nos anos 60 e 70, culminando na formação de um partido que era contra tudo e contra todos.
Seus primeiros representantes foram eleitos em 1983. O partido assumiu praticamente todos os cacoetes do discurso de esquerda (a esquerda tradicional, reunida no Dia Lienke, tem hoje apenas 5% dos votos).
Mais recentemente, emergiu outra força política do lado oposto, a Alternativa para a Alemanha, da direita pura e dura, que faz o possível para levar os verdes à loucura.
Parecer menos radical e olhar mais em direção ao centro político é um movimento natural dos partidos que querem sair de seus nichos. As vantagens são autoevidentes: mais da metade dos eleitores que escolheram o Partido Verde na última eleição nacional tinham votado, antes, na União Democrata Cristã ou no Partido Social Democrata. Ou seja, o Grüne colheu votos à direita e à esquerda. Entre o eleitorado abaixo de 45 anos, é o favorito.
O Partido Verde já esteve no governo, em coalizão com os social-democratas, mas agora é a primeira vez que tem uma possiblidade realista de ser a principal força e, assim, ter direito ao posto de primeiro-ministro – chanceler, na linguagem política alemã.
Se conseguir não rachar – obviamente, como todo partido de esquerda, tem duas alas, Realo e Fundi – e não assustar eleitores com maluquices que remetem ao passado radical, pode dar o salto que faltava.
Seria o primeiro partido ambientalista no comando de um país europeu – e do mais importante deles. E um salto ornamental e tanto para a quase desconhecida, fora da Alemanha, Annalena Baerbock.
“Ela é mais obstinada, persistente e reservada do que as pessoas acham”, descreveu-a o jornalista Ulf Porschardt.
Uma descrição que, obviamente, poderia ser perfeitamente usada por Angela Merkel, a quem a líder verde diz admirar muito.
Seus simpatizantes estão sonhando alto. Daniel Cohn-Bendit, o alemão que ficou famoso no velho Maio de 68 na França e se transformou em conhecido deputado verde, acha que o Grüne vai abalar as estruturas mundiais se “trouxer uma mudança de estilo que corresponda à mudança política iniciada por Joe Biden, uma mudança que fará Erdogan, Bolsonaro, Vladimir Putin e Xi Jinping parecerem homens do passado”.
“Seja realista, exija o impossível”, diziam os sessentaeoitistas na França. Velhos hábitos são difíceis de mudar.