Quantas pessoas morreram ‘de Covid-19’ ou ‘com Covid-19’?
Estudo de Oxford responde, em parte, uma dúvida que existe em todos os países sobre o verdadeiro motivo dos óbitos incluídos na lista do vírus
O momento é ruim para os principais países europeus: Espanha, França e Grã-Bretanha estão na transição para a imposição de novos confinamentos. Israel já está em lockdown.
Para piorar o clima, veio a público a informação de que não só uma, mas duas voluntárias dos testes com a vacina de Oxford sofreram da mesma e rara mielite transversa.
Por causa disso, os testes não foram retomados nos Estados Unidos, onde as precauções são maiores à luz do episódio da vacinação contra a gripe de 1976, que provocou 450 casos de síndrome de Guillan-Barré, produto de uma reação descontrolada do sistema imune da mesma família que a mielite.
Mas a epidemia do novo vírus continua a ser vasculhada pelos centros de pesquisas, buscando novas informações sobre o impacto da doença.
Uma das grandes dúvidas, considerando-se que a Covid-19 é particularmente deletéria para as pessoas de idade avançada e já portadoras de outras doenças, é se todas as mortes podem ser realmente atribuídas ao vírus.
Uma pesquisa baseada em dados do Departamento Nacional de Estatísticas indicou que na Grã-Bretanha, nos meses de julho e agosto, quase 30% das mortes poderiam ser debitadas a outras causas, como ataques cardíacos, câncer e demais morbidades letais.
Nesses meses de verão no hemisfério norte, a epidemia estava mais controlada e houve 1 617 mortes. Dessas, 465, ou 28,8%, podem ser consideradas decorrentes de outros fatores, embora as vítimas tivessem a Covid-19.
Ao todo, 3 877 mortes, ou 7,8% dos quase 50 mil óbitos, se enquadram nessa categoria.
“No começo da epidemia, vimos só poucos casos, mas eles foram aumentando à medida que muito mais pessoas tiveram Covid”, disse ao Telegraph o médico Jason Oke, do exemplarmente chamado Centro de Medicina Baseada em Evidências, de Oxford, responsável pelo estudo.
Obviamente, é difícil determinar qual fator pesou mais nos óbitos de pessoas já enfermas, a infecção ou as doenças pré-existentes.
“Se eu tenho um paciente com leucemia que pega Covid-19 e morre poucas semanas depois. O que coloco como causa primária do óbito?”, disse ao Daily Mail o professor de medicina Paul Hunter. “A causa primária é leucemia, mas a morte poderia não ter ocorrido se não a pessoa não estivesse com Covid-19”.
As conclusões do estudo de Oxford não devem ser vistas como prova de um “exagero” no número de mortos pela infecção, embora na Inglaterra contribuam em algo para um sentimento de revolta, em especial entre a base do eleitorado conservador, com as novas restrições que serão anunciadas ainda hoje.
Uma das táticas conjecturadas diante do aumento dos casos de contágio seriam períodos de duas semanas de “circuit breaker”, alternados com um retorno ao que passa por normalidade nos tempos atuais.
A expressão “circuit breaker”, equivalente a desligar o interruptor, foi tirada do mercado de ações, onde o mecanismo intervém quando há quedas perto de catastróficas.
Os novos casos diagnosticados estão se aproximando de cinco mil por dia, antecipando um aumento que passaria proximamente a se refletir na quantidade de mortos, o que ainda não aconteceu.
Na França, os números são muito piores, 13 500 casos diários na última contagem. Na Espanha, o país com a nova onda mais pronunciada, o confinamento foi declarado em bairros de Madri onde estão os maiores focos, uma estratégia difícil de entender e de ser aplicada.
Como o clima – além dos números de casos graves e mortes – nem se compara à tempestade de medo que dominava os países mais atingidos entre março e abril, existe uma resistência muito maior a medidas extremas como a paralisação total de atividades, com as exceções já conhecidas.
A exceção da nova onda é a Itália, com contágios diários na casa dos 1 500 e 2 000.
Sem falar, claro, na Suécia. Com sua estratégia de não fechar tudo desde o começo, o país está com 30 novos casos por 100 mil habitantes – contra 292 na Espanha, 172 na França e 69 na vizinha Dinamarca.
Anders Tegnell, o epidemiologista responsável pela tão criticada – ou invejada – estratégia, deve estar morrendo de vontade de dizer “Eu avisei”, mas nunca fará isso.
Ou fará, mas só depois que a epidemia completar um ano, o prazo mínimo que deu para que fosse possível comparar os resultados obtidos em diferentes países.
Mesmo que não não fale nada agora, outros estão comparando por ele.