À sombra de gigantes como Margaret Thatcher e Angela Merkel, Nikki Haley parece uma pálida, edulcorada versão das duas grandes líderes da direita europeia dos últimos quarenta anos. A pré-candidata republicana à eleição presidencial de novembro próximo tem chance zero de ultrapassar Donald Trump, mas o favorito está tão carregado de carma negativo, para não falar nos processos, que ninguém pode dar 100% de certeza de que estará na cédula. Na eleição primária de New Hampshire, Haley aparece com 30% das preferências, um avanço notável num campo tão esmagadoramente dominado por Trump. Mais: se ela fosse a candidata republicana contra Joe Biden, venceria o presidente por 4 pontos porcentuais, segundo coincidem várias pesquisas.
Imaginem só se a primeira presidente mulher dos Estados Unidos fosse uma conservadora moderada, filha de imigrantes indianos? Mesmo que a hipótese seja remota, bastou para a imprensa progressista lançar uma campanha de sabotagem preventiva, insuflada por trumpistas notórios. “Nikki Haley pode ser mulher”, condescendeu o Guardian. “Mas não é amiga das mulheres ou das minorias. Ela tem opiniões reacionárias sobre aborto, imigrantes e pessoas LGBTQ+.” O jornal de esquerda chega ao ponto de dizer que “feminização do fascismo” obedece a um plano “altamente estratégico”. Ou seja, as mulheres de direita como Marine Le Pen ou Giorgia Meloni estariam apenas se deixando manipular para dar uma face mais humanizada ao reacionarismo. Suponha-se a situação oposta: afirmar que uma líder política de esquerda é apenas uma marionete de forças superiores. Seria um escândalo.
“Imaginem se a primeira presidente mulher dos EUA fosse uma conservadora moderada, filha de imigrantes indianos?”
Tanto Marine Le Pen quanto Giorgia Meloni têm origem em partidos de tendência neofascista e fizeram um esforço para exorcizar esse mal. A primeira-ministra italiana está conduzindo um governo que pode ser considerado de centro-direita e tem a aprovação de 57% dos italianos, um prodígio num país politicamente fragmentado. A alemã Alice Weidel ainda precisa evoluir no quesito origens ou simpatias repulsivas de colegas. Ser mulher e lésbica no comando conjunto do partido mais à direita no espectro político alemão, o Alternativa para a Alemanha, não basta para limpar a ficha suja. Mesmo assim, o partido se aproxima dos 20% das preferências. Na Inglaterra, Kemi Badenoch, filha de professores universitários nigerianos, aponta como o nome que pode salvar o Partido Conservador da autodestruição.
O tema que impulsiona a ascensão de todas essas mulheres: a migração em massa que deixa até os mais progressistas europeus com a impressão de que seus países estão perdendo as características responsáveis por impulsionar a maior combinação de prosperidade com liberdade já vista na história.
“Nosso sistema de imigração está quebrado e precisa ser consertado”, costuma dizer Nikki Haley. “Isso significa acabar com a imigração ilegal. E abrir os braços a imigrantes legais e devidamente checados. Tal como fizemos durante séculos.” Quem vê a loucura na fronteira dos Estados Unidos com o México, por onde entraram quase 4 milhões de pessoas nos últimos três anos, conclui inevitavelmente que é insustentável. Nem uma economia pujante como a americana, com 5,2% de crescimento do PIB no último trimestre, consegue absorver tanta gente. A filha de imigrantes — legais — é mensageira moderada da necessidade de mudança. Está sendo moída à esquerda e à direita e tratada como oportunista que só quer ser vice de Trump. Talvez valha a pena ouvi-la melhor.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874