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Por Vilma Gryzinski
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Na capela do casamento, rei decapitado defende monarquia

A Inglaterra teve uma revolução e cortou a cabeça de um rei, como na França; mas como o substituto virou uma ditadura parlamentar, desistiu em dez anos

Por Vilma Gryzinski 19 Maio 2018, 06h43

Se tiver um tempo entre as aulas de meditação e os tratamentos estéticos, Meghan Markle, a nova duquesa de Sussex, pode aprender praticamente os episódios históricos mais importantes de seu novo país sem sair da Capela de São Jorge.

Na delicada preciosidade em estilo gótico perpendicular, onde as colunas finas se abrem em leques de pedra  rendilhada no teto, estão enterrados dez reis.

O mais eloquente talvez seja o mais fracassado deles, Charles I. Em 1642, ele ergueu seu pavilhão em Nottingham e começou a Guerra Civil Inglesa. Em 1649, o corpo, separado da cabeça em Whitehall, hoje o coração da máquina do governo, era levado num caixão forrado de veludo preto para ser enterrado na  capela do  castelo de Windsor.

O vitral da ala leste da capela, um tela de vidro com 77 figuras religiosas, entre reis, santos e papas, tinha sido retirado, para salvá-lo dos saques do Exército do Parlamento, vitorioso na guerra contra o rei. Relíquias e  tesouros sacros já haviam sido surrupiados (o vitral voltou a ser guardado durante a II Guerra; uma bomba alemã explodiu perto dali).

O homem que estava no comando do castelo de Windsor, o coronel Whitcombe, não permitiu orações fúnebres.

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Oliver Cromwell, o grande vencedor da guerra civil, que na verdade envolveu levantes na Irlanda e na Escócia e colocou os anglicanos ao lado do rei, que era uma espécie de católico no armário, governou durante dez anos.

A ditadura parlamentar foi uma experiência tão complicada que a monarquia acabou restaurada logo depois da morte dele. O corpo do puritano Cromwell foi desenterrado, pendurado em correntes e decapitado, um castigo post mortem para regicidas.

A república americana, nascida da rebelião colonial contra o reino britânico, não quis ter nada a ver com a experiência britânica. Seus fundadores eram iluminados, literalmente, pelo pensamento iluminista, não pelo reformista autoritário de Cromwell.

Ressalte-se que os Estados Unidos nasceram como refúgio para os mesmos puritanos de Cromwell, praticantes de uma forma fundamentalista do cristianismo, sem os rituais litúrgicos que a igreja anglicana copiou ipsis litteris ao separar de Roma pelo voluntarismo pragmático e  furioso de Henrique VIII, outro rei cuja tumba fica no caminho do salto agulha de Meghan Markle.

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Como a Guerra Civil aconteceu há menos de 400 anos, ainda não existe um consenso sobre os principais personagens.

Mas a maioria dos historiadores considera Charles I um rei vitimado por seus muitos defeitos, quase que religiosamente convencido da obrigação divina de defender a monarquia absolutista.

Quis obrigar os escoceses, presbiterianos na maioria, a aceitar a liturgia anglicana e criou impostos para sufocar a subsequente rebelião. O Parlamento recusou, fechou o Parlamento. Deu em guerra.

É importante lembrar que, na época, o absolutismo era um sistema modernizador, como lembra o historiador Simon Schama, que definiu Charles I como”constitucionalmente incapaz de ser um monarca constitucional”, com uma visão ambiciosa da Grã-Bretanha unificada sob um rei não limitado pelos limites já estabelecidos desde a Magna Carta, no século XI.

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A Guerra Civil teve apenas três batalhas. Ao perder a última delas para o Exército do Parlamento de Cromwell, Charles preferiu se entregar aos escoceses, imaginando um tratamento menos brusco. Foi vendido aos futuros carrascos.

A execução foi no inverno, em janeiro e o rei deposto usou uma camada extra de roupas para não parecer que estava tremendo de medo. Dialogou com o carrasco, perguntou duas vezes se seu cabelo, que escapava da touca, atrapalhava o profissional.

Dirigiu-se à plebe, proclamando-se um “mártir do povo”.

A monarquia foi restaurada em 1660. Charles II, filho do primeiro, voltou do exílio passado na França e na Holanda, a convite do próprio Parlamento, diante da anarquia da disputa pelo poder que se seguiu à morte de Oliver Cromwell  (ele nomeou o filho para sucedê-lo como Lorde Protetor, que não nos ouçam certos políticos do Maranhão e adjacências, mas a coisa degringolou).

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Charles II aceitou todas as exigências do Parlamento, inclusive as severas restrições religiosas impostas sobretudo para os católicos. Mas casou-se com uma herdeira católica, Catarina de Bragança, selando uma aliança com Portugal que teria consequências futuras para o Brasil.

Como o pai, dissolveu o Parlamento, mas o caminho já era irreversível: a monarquia sobreviveria, mas acabaria entregando todo o poder de fato ao Parlamento, uma entidade única no mundo.

Que não nos ouçam certos políticos de Brasília, o Parlamento britânico reune todos os poderes: legislativo, judiciário, religioso e monárquico. Os reis formam parte dele.

Como a nova duquesa de Sussex vai seguir o processo “normal” de três anos para conseguir a cidadania britânica, um cursinho intensivo de história na Capela de São Jorge pode ajudar.

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A história da Ordem da Jarreteira, criada em 1348 pelo rei Eduardo III, fica para quando Meghan tiver mais um tempinho.

A mesma Capela de São Jorge é o centro espiritual da mais antiga ordem de cavalaria da Inglaterra. Segundo a lenda, Eduardo III estava dançando com a nora, a liga que prendia a meia dela caiu e ele saiu em defesa de sua honra . Daí o símbolo algo erótico da ordem, uma liga afivelada, e seu lema: “Maldito seja quem pensar mal disso”. Em francês, a língua vigente na época.

Quando a rainha Elizabeth e os membros da ordem desfilam com mantos de veludo e chapéus emplumados, uma vez por ano, num percurso até a capela, os corações monárquicos batem mais forte.

Já os republicanos, apesar das  críticas ao anacronismo algo ridículo, vêem o trajeto original de uma democracia que não apenas convive, mas está sistemicamente ligada a uma monarquia que não pode nada e ao mesmo tempo pode quase tudo, como o original casamento de Harry e Meghan.

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