“Em toda a história do mundo, desde que existe a democracia, nunca um projeto havia ganhado com a quantidade de votos que ganhamos este dia. É literalmente a porcentagem mais alta da história” e transforma El Salvador em um país de “partido único num sistema plenamente democrático”.
A comemoração foi de Nayib Bukele, com todos os acompanhamentos do gênero – discurso na sacada, beijo na mulher e uma novidade inexorável dos eventos públicos no momento: drones no céu. No caso, formando a letra N de Nayib.
É um mau sinal: democracia e popularidade não significam eliminar, arrasar ou tirar do mapa a oposição, seja pelas urnas, pela força ou pela cooptação.
Todo mundo já percebeu que a esquerda tem pavor de Bukele e que ele criou um sistema novo no qual a repressão à criminalidade ganhou uma projeção sem precedentes. Mas é preciso olhar o fenômeno Bukele sem ódio nem amor para entender por que ele virou ou está virando, um novo modelo autoritário. Juan Perón também era campeão de votos e popularidade – nem por isso escapou da praga latino-americana, da qual foi talvez o maior exemplo: populismo e a convicção de que ganhar eleição dá um passe livre, inclusive para acossar as minorias.
Isso não significa ignorar as razões da popularidade de Bukele. A ampla maioria da população apoia medidas restritivas ao estado de direito por interpretar que garantias democráticas estavam sendo usadas para ajudar os criminosos, criando, na prática, um estado de não-direito. A impunidade é o caminho mais garantido para deslegitimar as instituições.
REFORMA ‘NEOLIBERAL’
Uma das medidas de Bukele foi interferir na Suprema Corte para ter um monte de amigos num lugar importante, não juízes imparciais e apartidários. Assim conseguiu driblar a proibição constitucional à reeleição.
Isso nunca é bom. Equivale, em escala menor, ao que fizeram Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela ao aparelharem o judiciário. Foi assim que o supremo amigo confirmou a inelegibilidade da oposicionista María Corina Machado, fortíssima candidata a dar uma surra de urna em Maduro.
A farsa eleitoral ficou escancarada e Madurou tripudiou: “Vamos ganhar, por bem ou por mal”. Sabe que as sanções petrolíferas dos Estados Unidos serão retomadas, mas está pouco ligando. Já provou que pode arruinar o país, lançar a imensa maioria da população na miséria e continuar no poder: só tem que dar satisfação – e muita – aos companheiros que fatiaram o país.
A miséria também ronda Cuba onde o presidente Miguel Díaz-Canel (com hífen, para ficar mais chique) tirou o ministro da Economia que estava fazendo um ajuste – em termos cubanos, evidentemente.
O presidente, que não tem a aura dos irmãos Castro, seus antecessores, contestou as acusações de que estaria promovendo uma reforma neoliberal – o ridículo termo que ainda faz sucesso na esquerda.
MÁQUINAS DE POBREZA
A economia cubana não tem vasos conectantes com a realidade, muito menos com a liberação das forças do mercado. Mas o aumento programado de 500% da gasolina seria demais até para uma população mantida calada por um sistema repressivo que talvez seja a única coisa que funciona bem em Cuba.
As posições contrárias ao infeliz governo de Díaz-Canel hoje estão mais visíveis dentro do regime.
Segundo o Observatório Cubano de Direitos Humanos – de Miami, obviamente -, 72% dos cubanos vivem abaixo da linha da pobreza. Isso com mais de setenta anos de uma revolução feita em nome do povo.
Máquinas de produzir pobres, como Cuba e Venezuela demonstraram ser, são a parte mais triste de projetos que pareciam tão idealistas e criaram discursos com forte apelo para uma camada da população.
Hoje, quem está conquistando admiradores além fronteiras é Bukele, um reflexo da nossa incapacidade de produzir desenvolvimento, segurança e instituições confiáveis, as bases mínimas para o progresso de uma sociedade, à esquerda ou à direita.
Sem isso, não tem drone que dê jeito.