Assim definiu a resposta do governo o ator e dramaturgo Yunior García, um dos organizadores do grupo Arquipélago e autor do pedido oficial de autorização para a Marcha Cívica pela Mudança no dia 15 de novembro.
É claro que o pedido foi negado, com base em argumentos kafkianos. “Não se reconhece legitimidade nas razões esgrimidas para a marcha”, diz um deles. Os organizadores têm “a intenção manifesta de promover uma mudança de sistema político em Cuba”, diz outro – implicando que não podem existir protestos contra o “sistema socialista referendado pela Constituição”.
Em outras palavras: manifestação, só a favor.
Yunior García, provavelmente o principal nome do movimento ainda em liberdade, caprichou na ironia.
“Sabíamos que o estado de direito em Cuba era uma ficção insustentável”, escreveu no Facebook. Mas agora temos “a certeza de que, na ditadura, a Constituição é letra morta, ou simplesmente um verso ao estilo das Centúrias de Nostradamus, onde cada leitor interpreta o que quiser, até que o sumo sacerdote o desminta”.
A resposta demorou para circular porque os principais organizadores do Arquipélago tiveram as conexões por internet e linhas fixas cortadas.
“Têm muito medo da verdade. Ser honesto em Cuba virou crime”, disse García.
Os organizadores da Marcha Cívica que pede a libertação dos presos nas manifestações espontâneas de 11 de julho e respeito aos direitos humanos mantiveram a realização do protesto. Inicialmente, ele seria em 20 de novembro, mas o regime comunista achou que seria muito esperto se marcasse mobilizações militares para o Dia Nacional da Defesa, exatamente na mesma data. A marcha foi antecipada para 15 de novembro.
A grande diferença é que o 11 de julho, pela magnitude e disseminação, pegou o regime de surpresa. Agora, todos os mecanismos para a “repressão preventiva”, uma das especialidades dos serviços de inteligência, estarão em ação.
O regime também pode alegar que a manifestação é ilegal, já que não recebeu autorização para ser realizada.
Os organizadores do protesto sabem disso e também estão aumentando a aposta.
“A resposta do regime cobriu de ridículo o próprio presidente do Supremo Tribunal, que disse que Cuba respeitaria o direito à manifestação”, reagiu o Arquipélago.
“A resposta do regime está cheia de falsidades, difamações e mentiras. A resposta do regime constitui um crime. No 15 de novembro, nossa decisão pessoal será marchar cívica e pacificamente em defesa de nossos direitos. Frente ao autoritarismo, responderemos com civismo e mais civismo”.
O presidente do Supremo Tribunal citado é Rubén Remígio Ferro, que havia dito em 24 de julho o que seria óbvio em sistemas regidos pelo estado de direito: “As opiniões diversas, inclusive de sentido político diferente do imperante no país, não constituem delito. Pensar diferente, questionar o que está sendo, isso em si mesmo não constitui delito. Manifestar-se, longe de constituir um delito, constitui um direito constitucional das pessoas”.
Delito, acrescentou, seria promover distúrbios e atos de violência contra a lei e a ordem.
Justas palavras, tristemente desmentidas pela realidade.
Os principais líderes do que parecia ser apenas um movimento incipiente de oposição, mas demonstrou ter um alcance muito maior, estão na cadeia, em prisão domiciliar ou sob vigilância cerrada.
José Daniel Ferrer estava em prisão domiciliar, mas saiu para tentar aderir aos protestos espontâneos do 11 de julho. Foi preso e está incomunicável. O heroico Guillermo Fariñas, habituado a entrar e sair da cadeia e fazer greves de fome que o levam à beira da morte, foi preso de novo no começo de setembro.
A nova geração de dissidentes, geralmente jovens artistas e intelectuais, também enfrenta o cárcere ou o exílio.
Luís Manuel Otero, artista performático que ficou mais conhecido depois de sair na lista da Time de pessoas influentes, é hoje provavelmente o principal nome da nova geração. Está preso.
No fim de setembro, O artista plástico Hamlet Lavastida foi levado por 20 policiais para o aeroporto e embarcado para a Polônia, depois de três meses de prisão.
Ele contou que seus interrogadores queriam obrigá-lo a confessar que recebia ordens do Departamento de Estado americano ou do serviço de inteligência da Polônia, onde morou por três anos.
“Vi outros presos perdendo a lucidez e a certa altura comecei a ter alucinações – ouvia vozes”, relatou Lavastida, que acabou assinando uma espécie de declaração de penitência.
Regimes autoritários são fortes, construídos para dominar todos os mecanismos do poder e sobreviver a situações extremas, como a penúria desesperadora que o povo cubano enfrenta.
Os chefões cubanos sabem muito bem o que estão fazendo quando proíbem manifestações pacíficas e colocam jovens artistas na cadeia: não podem se dar ao luxo de deixar solta nenhuma parte da engrenagem que os sustenta.