“Não saio pela vida buscando confrontações”, diz Isabel Díaz Ayuso, que se tornou um fenômeno político por fazer exatamente isso.
A ex-jornalista espanhola ganhou de lavada a eleição para o governo de Madri. Na Espanha, seu cargo se chama presidente da Comunidade de Madri, a área da capital e mais cidades dos arredores, como se fosse um estado.
Espertamente, ela convocou eleições quando achou que seria derrubada por seus parceiros de governo, do Cidadãos, o partido centrista que está eleitoralmente quase extinto.
Valeu a aposta. Por causa de seu comportamento durante a pandemia, tirando leite de pedra para dar cobertura aos doentes e, ao mesmo tempo, defendendo a reabertura o mais precoce possível dos bares e restaurantes que fazem Madri ser Madri, ela virou um fenômeno.
“Somos todos Ayuso”, foi o adesivo que se espalhou pelos estabelecimentos profundamente gratos à governadora.
Ela virou nome de cerveja – tem um rótulo com seu retrato e a frase “La caña de España” – e nome de pratos. Um deles é o calamares à Ayuso, que “vem com dois ovos”.
Os madrilenhos são tradicionalmente desbocados e o estilo de Ayuso pegou bem com uma ampla fatia do eleitorado. Na faixa que vai da centro-esquerda à esquerda pura e dura, ela evidentemente provoca ojeriza.
“Quando começam a te chamar de fascista, você sabe que está fazendo alguma coisa certa”, já provocou ela.
“Ayuso está propondo seu próprio modelo de conservadorismo – mais para a direita, até trumpista na forma como faz declarações bombásticas que desviam a atenção da política”, suspirou para o Financial Times a cientista social Máriam Martínez Bascuñán. “A eleição de Madri vai determinar o futuro da direita na Espanha”.
E, de alguma forma, da esquerda também. Pablo Iglesias, do Podemos, mais o menos equivalente ao PSOL, deixou o posto de vice-primeiro-ministro no governo de coalizão de Pedro Sánchez, crente que sua figura também carismática seria um sucesso.
Elegeu dez deputados, três a menos do que o ultradireitista Vox, que vai integrar a coalizão com a governadora. Ao todo, os três partidos de esquerda elegeram 58 deputados. O PP, sozinho, fez 65.
“A Espanha me deve uma”, ironizou Ayuso quando Iglesias saiu do governo para disputar a eleição. E tuitou: “Comunismo ou liberdade”, que depois virou o lema de sua campanha.
“Que ousadia”, comemorou um eleitor inesperado da governadora, o filósofo Fernando Savater, um socialista das antigas, que escreveu num desolado El País – o jornal é tradicionalmente de esquerda – que votaria no Partido Popular, de Ayuso, pela primeira vez na vida.
“Ayuso é acusada de criar polarização pelos mesmos que apoiam como ‘progressista’ um governo sustentado por separatistas e bolivarianos cujo ápice ideológico consiste em proclamar que a direita nunca passará”.
Os separatistas são os partidos catalães que fazem parte da coalizão de governo e os bolivarianos, o pessoal do Podemos – Pablo Iglesias trabalhou diretamente para Hugo Chávez na Venezuela e continua, espantosamente, a defender o mesmo modelo, talvez o mais fracassado do planeta.
Com 42 anos e um relacionamento de uma década, entre idas e vindas, com o cabeleireiro Jairo Alonso, com quem costuma trocar mensagens calientes, Isabel Díaz Ayuso escapa com facilidade de quem pretende enquadrá-la num modelo-padrão de direita.
Já disse, por exemplo, que entrou para o PP, um partido conservador por excelência, “porque gosto de transformar e reformar as coisas; mais reformar, eu diria”.
“Tenho a responsabilidade de reformar e transformar Madri diante do desafio digital e de modernizar os serviços públicos porque a sociedade mudou e existem novas dificuldades”.
“Sou encantada com a cidade aberta e plural que Madri é, a festa do orgulho gay representa isso, amo a vida noturna daqui, e a vivi com intensidade”.
Uma política de direita que gosta da balada é uma novidade com qual os espanhóis, tão tradicionais quando se trata do que é direita e esquerda, ainda estão se acostumando.