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Investigação caótica e tentativa de manipular atentado contra Cristina

Mesmo quem tem surpresa zero diante da confusão argentina impressiona-se com o uso do ato de violência para tentar tirar vantagem

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 7 set 2022, 15h00 - Publicado em 7 set 2022, 07h58
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  • Os kirchneristas culpam a oposição e a imprensa pelo atentado fracassado contra Cristina Kirchner, oposicionistas desconfiam que tudo foi uma armação, a namorada do agressor mentiu mais do que nos sites onde presta serviços eróticos e apareceu em fotos com a arma usada no crime, o discurso contra o ódio é mais odioso ainda e, provavelmente, existe uma única certeza: como tantos outros casos de enorme repercussão, as investigações vão se enrolar num novelo mais emaranhado do que romance de Borges. 

    Ah, sim, um ex-agente da CIA, Gustavo Cueto, foi objeto de denúncia apresentada pela Secretaria de Direitos Humanos por dizer que foi um falso atentado e, assim, “animar ou incentivar a perseguição ou o ódio contra Cristina Fernandez de Kirchner e o setor político que ela representa”.

    Dessa maneira, o que seria uma entrevista pouco confiável, considerando-se que foi baseada no olhômetro, ganhou mais repercussão. “Acho que ele não estava lá para cometer um magnicídio, mas para criar a aparência de um magnicídio”, afirmou Cueto sobre Fernando Sabag Montiel, o homem nascido no Brasil que apontou contra o rosto da vice-presidente uma pistola Bersa calibre .32 sem acionar o ferrolho que engatilharia a primeira bala. Ele também acha que as grandes manifestações que se seguiram foram uma “reação planejada” antecipadamente.

    Isso indica que não conhece a capacidade de mobilização do peronismo, mas é claro que as preferências políticas vão pesar na avaliação de suas palavras – isso já ficou bem demonstrado no Brasil, com os sinais políticos trocados: facada falsa, para os opositores; intrincada trama política para os partidários.

    O celular de Sabag, que poderia ajudar a elucidar componentes fundamentais, foi contaminado e detonado pelos agentes federais que deveriam acessá-lo. Em vez disso, conseguiram resetar o telefone, apagando tudo o que estava guardado nele. É inacreditavelmente incompetente. Ou, para os conspiracionistas, mais um sinal de que aí tem coisa.

    Onde tem coisa mesmo: no papel que a namorada de Sabag, Brenda Uriarte, desempenhou. Ela foi presa ao descer do metrô, depois que os investigadores identificaram, pelas imagens de câmeras de segurança, que ela estava presente na cena do atentado fracassado, da qual se retirou tranquilamente. A um canal de televisão, tinha dito que não via o namorado havia dois dias.

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    Nas fotos recuperadas pela justiça no cartão de memória do telefone resetado de Sabag, ela aparece posando com a arma do atentado na cintura. Sabag também foi fotografado empunhando a Bersa. As fotos foram feitas há um ano.

    Brenda se apresenta também com o nome de Ambar, Sasha e outros pseudônimos, como vendedora de algodão doce na rua, estudante de medicina ou funcionária de limpeza. Já apareceu de cabelos castanhos, ruivos e loiros. Fazia encenações eróticas pagas em serviços de streaming dedicados ao ramo.

    Brenda incentivou os conspiracionistas ao dizer no Instagram, antes de ser presa, que da pistola Bersa saiu “um jorro de água”. Também elogiou o libertário Javier Milei por dizer que “os políticos não deveriam ter mais direitos do que os civis”.

    Uma pesquisa feita antes do atentado fracassado indicava que Milei, uma novidade na política,  poderia ir para o segundo turno na eleição presidencial do ano que vem. É claro que está num dos lugares mais altos dos acusados de discurso de ódio, uma expressão usada, como no Brasil, para criminalizar opiniões políticas divergentes.

    Victoria Tondi, do Instituto Nacional contra a Discriminação, um órgão do governo, escreveu um artigo acusando os principais líderes da oposição pelo atentado. “As armas dos odiadores são carregadas pelos Macri, os Bullrich, os Milei”. Outro artigo ao qual contribuiu, na agência oficial de notícias, foi ilustrado por um revólver de cujo cano sai um microfone – uma maneira nada sutil de acusar a imprensa não peronista.

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    “Não há nenhum projeto que esteja sendo analisado”, disse a porta-voz do presidente Alberto Fernández sobre uma lei contra o discurso do ódio que, obviamente, criminalizaria a oposição. Um assessor presidencial havia declarado, de maneira inequívoca, que “a Argentina tem que avançar na limitação dos discursos de ódio”.

    Outro balão de ensaio: o atentado fracassado justificaria nada menos que o encerramento dos processos contra Cristina na justiça. 

    “Nesse julgamento, brotou a semente que gerou a violência extrema”, disse, com formidável cara de pau, o senador José Mayans. “Queremos paz social? Então comecemos por parar com esse julgamento vergonhoso”. Foi recebido ontem pelo presidente Alberto Fernández.

    No julgamento em questão, a acusação pediu doze anos de prisão e cassação dos direitos políticos pela “maior rede de corrupção da história”, envolvendo 1 bilhão de dólares desviados de 51 obras públicas em Santa Cruz, o berço político do casal Kirchner.

    Cristina, que se passava por vítima da justiça – algo que conhecemos bem -, agora tem uma arma que, por sorte, não disparou para ampliar o teatro da perseguição política.

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