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É certo proibir não vacinados de sair de casa? Áustria terá a resposta

Uma medida tão extrema que até partidários da vacinação ficam em dúvida alimenta as reações de protesto em vários países europeus

Por Vilma Gryzinski 23 nov 2021, 08h23

Como tudo o que mobiliza grandes correntes de opinião na Áustria, sempre alguém vai fazer uma referência a “aquele” assunto – a entusiástica nazificação do país nos anos trinta.

Alguns militantes da corrente antivacina chegaram até a usar as estrelas de Davi amarelas, como os judeus na tão terrível época da história do país. Ironicamente, alguns foram presos em manifestações de rua pelo uso indevido.

A normalmente civilizada e até um pouco tediosa Áustria está pegando fogo. Outros países de padrão comparável, como Bélgica e Holanda, também. Os protestos contra o passaporte da vacina na Itália nunca congregaram tantos adeptos. Em Melbourne, na Austrália, que de caso exemplar na contenção da pandemia virou problema pela fadiga face às restrições, o que era ponto pacífico virou ponto de divergência.

O caso mais extremo é o austríaco. A partir de 22 de fevereiro próximo, pessoas não vacinadas podem ser interceptadas pela polícia se estiverem em qualquer espaço público ou privado, como bares, restaurantes, parques e jardins. A punição é multa e, no caso de quem não quiser pagar, detenção. Cumulativamente, as multas podem chegar a 3.800 euros.

Tirar o parque e, principalmente, o bar de um austríaco não é coisa pouca. 

As questões éticas e sociais são muito mais sérias do que brincadeiras assim. É admissível que um governo criminalize os não vacinados? Onde está o limite menos prejudicial, já que não dá para falar em ideal, em termos de direitos do indivíduo e de garantias à sociedade?

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“A sociedade está sendo maciçamente dividida e dirigida contra um grupo de pessoas que estão sendo isoladas da vida pública e obrigadas a fazer coisas que não queremos fazer”, disse ao New York Times uma participante dos protestos, Katja Schoissenger, que levou um cartaz muito direto, com três palavras que demandam reflexão: “Liberdade, Paz e Humanidade”.

Pessoas como Katja são do bem ou são do mal? São “idiotas”, como qualificou o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte? Temos o direito de fazer esse julgamento?

Um detalhe importante:  o governo austríaco é de direita, qualificada como extrema quando foi eleito. O primeiro-ministro original, Sebastian Kurz, teve que renunciar no mês passado ao ser flagrado usando dinheiro público para pesquisas de opinião que o favoreciam. O governo hoje é chefiado por Alexander Schallenberg, ex-titular das Relações Exteriores e substituto legítimo pelo sistema parlamentarista, mas sem a força do mandato das urnas.

Para complicar, Schallenberg decretou um novo confinamento coletivo para enfrentar a quarta onda. Ou seja, vacinados e não vacinados estão, no momento, na mesma situação: trancados em casa. 

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A Áustria, com 66% da população duplamente imunizada, é o país com o maior número de novos casos de Covid-19 na Europa (990 por 100 mil habitantes). 

A doença é tão insidiosa que dá nó na cabeça dos especialistas. Entre os países menos afetados pela quarta onda, no momento, estão Itália e Espanha, os pioneiros europeus no lockdown e medidas seriamente restritivas, e a “rebelde” Suécia, que seguiu uma política bem mais light. Vizinhos escandinavos como Noruega e Dinamarca, com números comparativos menos negativos em termos de mortes, agora estão em posição mais exposta.

A revolta da vacina no coração civilizado da Europa evoca, curiosamente, o movimento similar ocorrido no Rio de Janeiro em 1904, quando foi alta a rejeição à vacinação compulsória contra a varíola (boato da época: as pessoas imunizadas com vacinas feitas a partir do líquido das pústulas de vacas contaminadas ficavam com feições bovinas).

“Não queremos uma quinta onda, não queremos uma quinta ou sexta onda”, apelou Schallenberg, cujo cargo, como na Alemanha, é chamado de chanceler. Os não vacinados, e não convencidos pelo argumento, acham em grande parte que o fato da vacinação não impedir novas ondas funciona a favor de suas desconfianças, mesmo com o número de casos graves e mortes drasticamente diminuído.

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A queda no número de mortes, tão auspiciosa mesmo com o aumento de contaminações, também foi colocada em dúvida pela Organização Mundial da Saúde. Num prognóstico extremamente pessimista, o responsável pela divisão europeia da OMS, Hans Kluge, disse que até março do ano que vem poderá haver mais 500 mil mortes na região (pelos critérios da organização, ela inclui todos os membros da União Europeia, Reino Unido, Rússia, Turquia, alguns países centro-asiáticos e Israel).

“A Europa está de volta ao epicentro da epidemia”, resumiu Kluge.

“Provavelmente até i fim desse inverno, todos os alemães, como alguns dizem cinicamente, estarão vacinados, recuperados ou mortos”, ecoou, sinistramente, o ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn.

Nos Estados Unidos, onde a obrigatoriedade da vacinada defendida por Joe Biden está tropeçando em decisões judiciais, o número de mortes pela Covid esse ano, já com imunização disseminada da população, ultrapassou os 385 343 casos fatais registrados em 2020.

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Quanto mais rezamos, mais a assombração do vírus aparece.

Dizia a Gazeta de Notícias de 14 de novembro de 1904, reproduzida no site da Fiocruz: “Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, lampiões quebrados a pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados”.

Dá para acreditar que a Europa está chegando perto disso?

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