Será que algo de bom, contrariando todas as expectativas, sairá de tanto sofrimento? Será que não é absurdo imaginar um processo que, mesmo a longo prazo, atenda as necessidades mais fundamentais de israelenses e palestinos?
A diplomacia americana está plantando de várias maneiras o Plano Joe Biden para a paz. A mais detalhada versão apareceu na coluna de Thomas Friedman, que tem ótimas fontes no Departamento de Estado, funcionando até como voluntário balão de ensaio.
O plano retratado pelo colunista, que o chamou, com certa pomposidade, de Doutrina Biden, tem três vias. Na primeira, corre a resistência coordenada ao Irã e seus apaniguados, o que interessa tanto a Israel quanto aos países sunitas que se sentem ameaçados pelo arco xiita, tão bem sucedido nos últimos anos.
A segunda via implicaria no reconhecimento imediato de um Estado palestino, mas condicionado à parte mais difícil: um Estado desmilitarizado, reunindo de volta Cisjordânia e Faixa de Gaza, “somente depois que os palestinos tenham desenvolvido um conjunto de instituições dignas de crédito” de forma a garantir tanto a própria viabilidade como a segurança de Israel.
A terceira pista correndo paralelamente envolve a Arábia Saudita. Basicamente, o país trocaria o reconhecimento de Israel por um acordo que lhe garantiria proteção contra a evidente ameaça iraniana. Usinas nucleares entrariam no pacote.
BALÕES DE ENSAIO
Como amarrar tudo isso? Seria, obviamente, um prodígio de diplomacia e dissuasão, envolvendo convencer os israelenses de que não veriam sua segurança piorar, em vez de melhorar, como aconteceu depois de cada acordo dando autonomia territorial aos palestinos. Estes teriam que simplesmente mudar de mentalidade, um dos processos mais difíceis em qualquer lugar do mundo, para deixar de esperar o dia em que varreriam Israel do mapa.
Todas as tentativas anteriores de uma paz abrangente esbarraram nesse obstáculo, declarado ou tácito.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu também está plantando balões de ensaio. Segundo o Jerusalem Post, um certo “plano dos empresários”, figuras próximas a ele a quem propôs pensar num acordo (ele também mobilizou as Forças de Defesa e o Shin Ben, o serviço interno de inteligência), mostrando que, como habilidosíssimo político, amem-no ou odeiem-no, não está de braços cruzados em relação aos próximos passos, no curto e no longo prazo.
O plano Netanyahu obviamente é diferente do americano, mas também inclui um futuro Estado palestinos.
Na primeira fase, haveria um governo militar de transição em Gaza, comandando obviamente por Israel, para gerir a ajuda humanitária e a administração civil.
Paralelamente, países árabes abertos à negociação com Israel se comprometeriam com uma “nova Autoridade Palestina”. Foram mencionados: Arábia Saudita, Egito, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Barein.
Essa nova entidade teria que assumir compromissos amplos, desde a maneira de enfrentar o terrorismo até reformas no sistema educacional que promove o ódio a Israel.
Depois dessa transição, com prazo previsto de dois a quatro anos, Israel reconheceria um Estado palestino.
A RODA GIRA
É claro que se Netanyahu assumisse qualquer iniciativa nesse sentido, a coalizão que o sustenta imediatamente viria abaixo, com a saída dos partidos de ultradireita para os quais é anátema sequer cogitar num Estado independente.
Netanyahu pode ser abominado por muitos, mas sabe que Israel depende dos Estados Unidos e que o governo americano se sente pressionado, num ano eleitoral, a dar uma solução para um problema que até hoje desafiou todos os ocupantes da Casa Branca.
A roda está girando depressa e o líder do maior partido oposicionista, Yair Lapid, foi sondado sobre a possibilidade de entrar no governo de emergência caso os aliados de ultradireita rompam com Netanyahu (todos os envolvidos, obviamente, negaram isso).
Os acordos de longo prazo estão correndo paralelamente às negociações de uma trégua em troca de pelo menos uma parte dos mais de cem reféns israelenses em poder do Hamas, com todas as suas complexidades.
Segundo análise da Economist, as negociações sobre os reféns poderiam abrir caminho para o acordo mais amplo, que todas as pessoas bem intencionadas desejam, de um Estado palestino que não ameace Israel e não viva na expectativa de destruí-lo.
As chances, segundo a revista, são de 50%. Pode ser excesso de otimismo ou de pessimismo, mas quando aconteceu o horror desfechado sobre Israel pelo Hamas, pareciam ser de 0%.