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Acordo com Israel dará em cabeças cortadas ou porta para a paz?

Irã faz ameaças nada sutis contra príncipe dos Emirados e palestinos agem como maridos traídos; como sempre, ambos estão errados

Por Vilma Gryzinski 17 ago 2020, 08h33

Uma simples normalização de relações, como a anunciada entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, tem provocado efeitos tectônicos nos últimos dias.

O motivo é que não tem nada de “simples” – nada é simples no Oriente Médio -, embora formalize uma configuração de alianças que já estava muito mais do que escrita nas estrelas.

Resumo dessa nova aliança em quatro palavras: todos contra o Irã.

Ao conseguir manter em pé o regime da Síria, com ajuda dos xiitas libaneses do Hezbollah e dos espertos russos de Vladimir Putin, o Irã se tornou uma ameaça maior ainda ao status quo dos países árabes sunitas.

Pior ainda, desse ponto de vista, é o eixo que o regime turco está tentando montar, incluindo o Hamas, seus confrades ideológicos de acordo com os princípios da Irmandade Muçulmana, e, num passo mais ambicioso ainda, o próprio Irã.

Seria uma imagem do inferno: os islamistas radicais sunitas operando em conjunto com os fundamentalistas xiitas.

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A reação, por instinto de sobrevivência, uma característica existencial básica numa região intrinsecamente instável, foi consolidar o apoio dos Estados Unidos e abrir uma porta pública para Israel.

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O príncipe Mohammed Bin Zayed, ou MBZ, o cabeça de Abu Dhabi e coordenador dos demais emirados do Golfo Pérsico, foi o boi de piranha – perfeitamente consciente desse papel.

A reação mais importante do Irã veio através do jornal Kayhan, diretamente subordinado ao aiatolá Ali Khamenei, que faz chover e cair trovoada.

“Os Emirados Árabes Unidos se tornaram um alvo legítimo para a resistência”, disse um editorial do Kayhan.

Tradução: a cabeça do príncipe MBZ foi oficialmente colocada a prêmio.

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Mesmo cercado pelo maior aparato de segurança que o dinheiro pode comprar, montado sob orientação de ex-militares americanos e britânicos, Bin Zayed não deve ir dormir sossegado à noite.

Outra insinuação, mais sutil, de cabeças a perigo veio dos tuítes mais conservadores da  Arábia Saudita e circulou entre os revoltados pelo acordo em outros países do Oriente Médio: uma simples foto do rei Faiçal.

Em 25 de março de 1975, o rei foi assassinado com dois tiros quando se inclinou para beijar um sobrinho durante uma audiência em seu palácio. 

O sobrinho, de mesmo nome que ele, foi condenado e executado por decapitação em praça pública.

Tuitar uma foto do rei é uma maneira de dizer, driblando a censura, que o mesmo destino aguarda os que fazem acordos com Israel.

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Todo mundo supõe que o príncipe saudita Mohammed Bin Salman também fará o mesmo que o outro emir conhecido pelas iniciais, depois que sair do castigo pelo hediondo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e sentir segurança suficiente para dar o passo monumental que seria o mais rico e teologicamente conservador dos países árabes normalizar relações com Israel.

Faiçal foi morto porque estava promovendo pequenas aberturas, inclusive a permissão para que a Arábia Saudita tivesse televisão – na época, uma heresia para os mais conservadores por reproduzir a imagem humana, uma das mais arraigadas proibições do Islã.

Mas a história recente do Oriente Médio tem exemplos muito mais sinistros de assassinatos políticos no quadro de acordos entre Israel e países árabes.

Anuar Sadat, o líder egípcio que num dia histórico de 1977 pegou um avião e desceu em Jerusalém para falar ao parlamento israelense, preparando espetacularmente o terreno para o acordo de paz no ano seguinte, foi assassinado quatro anos depois.

Os assassinos eram militares filiados à Jihad Islâmica do Egito.

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Em 1995, aconteceu o impossível: com os esquemas de segurança entre os mais reputados no mundo, Israel presenciou o assassinato de Yitzhak Rabin na saída para um estacionamento.

Yigal Amir, fanático saído das franjas mais extremistas do nacionalismo religioso judaico, acertou o primeiro-ministro por causa da abertura para um entendimento com os palestinos na base tradicional de “terra por paz” (continua vivo, servindo prisão perpétua).

Segundo um desertor líbio, o notório Moammar Kadafi propôs  em 1982 enviar mísseis terra-ar à Síria para explodir o avião do rei Hussein da Jordânia por ser muito alinhado com os Estados Unidos – isso que a paz com Israel, pelo acordo de 1994, ainda nem havia sido assinada. 

Hafez Assad, pai do atual tirano sírio, rejeitou o plano “malfeito e infantiloide”.

Representantes do governo dos Emirados estão enfatizando que a normalização de relações entre os minúsculos e ricos principados e Israel já tiraram da pauta, segundo garantiu o próprio Donald Trump, a anexação de cerca de 30% dos territórios palestinos hoje habitados por israelenses judeus.

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Abre-se assim, dizem, uma oportunidade para a retomada dos contatos entre a Autoridade Palestina e Israel, tendo um futuro acordo como perspectiva.

Existe muito de propaganda dos Emirados nessa visão dos fatos – mas também de realidade objetiva.

Denunciar a “traição desprezível” dos Emirados, queimar retratos do príncipe MBZ (e do MBS também) e prometer resistência eterna não muda os fatos para a Autoridade Palestina: seu líder, Mahmoud Abbas, está com 84 anos e fossilizado numa situação difícil, praticamente sem saída, considerando-se que seus apelos à resistência popular têm sido ignorados.

Os Emirados têm até um sucessor no bolso, o mais jovem e mais dinâmico Mohammed Dalan, que foi líder da Fatah, a organização militar da Autoridade Palestina, e seria anátema para Israel – pelo menos, nas circunstâncias atuais.

O que pode acontecer depois está em aberto.

Os países árabes que agiam em conjunto contra Israel, hoje veem mais vantagens para si mesmos em seu aliar ao ex-inimigo. Os únicos países que persistem na inimizade sem concessões são a Síria, o Líbano e o Catar, além da Argélia.

Na vida real, os palestinos nunca tiveram grandes amigos e levaram a fama de sabotar os países onde se refugiaram – a rebelião que quase derrubou o rei Hussein da Jordânia, a guerra civil no Líbano e a torcida entusiasmada pelo Iraque quando o Kuwait foi invadido são os exemplos mais clássicos. 

Até a ruptura com a Síria quando começou a guerra civil, depois revertida, ficou como um exemplo de escolhas feitas pelos motivos errados.

A realidade dos fatos – na versão mais chique, realpolitik – é que um futuro estado, como é certo, justo e desejável que venha a existir, nunca terá a integridade territorial sonhada pelos palestinos, Jerusalém nunca deixará de ser a capital de Israel e os descendentes dos refugiados não terão direito automático de retorno.

Da mesma forma, Israel tem o direito a reconhecimento, fronteiras seguras e garantias antiterroristas, mas nunca será uma Suíça.

Ironicamente, as críticas – e ameaças implícitas –  a Benjamin Netanyahu partem agora justamente da ultradireita religiosa nacionalista, revoltada com o projeto de anexação colocado na geladeira.

A família de Yitzhak Rabin até hoje acredita que Netanyahu insuflou os ânimos, num processo que redundou no magnicído.

Vidraça e pedra são posições altamente intercambiáveis em ambientes voláteis.

Os palestinos que se sentem traídos têm, na direção oposta, mas com os mesmos sentimentos, os israelenses que consideram os territórios ocupados uma parte sagrada e indivisível de Israel.

Acordo bom é aquele em que as conquistas parecem maiores que as frustrações.

Ou os que têm inimigos fortes e agressivos. 

Se Bin Zayed, e mesmo Bibi, estão com a cabeça a prêmio, alguma coisa de certo fizeram.

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