A estonteante dança dos poderosos
As grandes potências vivem pulsões destrutivas — e a China vence
Olhando o mundo da tribuna de onde assistirá à encenação ritual que o Partido Comunista faz a cada cinco anos, Xi Jinping só terá motivos para mover levemente a musculatura facial que usa para dar o sorriso imperceptível que é sua marca registrada. Alguns projetos ambiciosos, como a Nova Rota da Seda, não estão saindo exatamente como o planejado, a pandemia gestada nas profundezas de Wuhan arrancou nacos da prodigiosa máquina de produção chinesa e o método de lockdowns sucessivos enfureceu cidadãos comuns. Mas ele pode dizer que está cumprindo o contrato tácito que tem com 1,4 bilhão de pessoas, oferecendo a estabilidade que uma história milenar de atribulações ensinou a ser cultivada e a prosperidade de um PIB que está encostando em 20 trilhões de dólares — quase treze vezes mais que o do Brasil. Xi Jinping entra no congresso comunista como o homem mais poderoso da história da China, com o carimbo para um terceiro mandato presidencial e, acima de tudo, o controle incontestado de todos os mecanismos da máquina. Isso inclui Mao Tsé-tung, o imperador vermelho que mandou o pai do atual supremo líder, uma figura política importante da época, para um exílio interno tão cruel que, quando saiu, custou a reconhecer o filho. Uma das acusações feitas contra Xi pai no auge do delírio da Revolução Cultural foi de ter olhado com binóculos para o lado da Alemanha Ocidental durante uma viagem à metade comunista de Berlim. O próprio Xi, que tinha uma vida de privilégios, foi mandado, ainda adolescente, para a “reeducação” no campo. A caverna onde dormia hoje virou atração turística.
“Depois da invasão da Ucrânia, a Rússia de Putin corre o risco de virar uma província chinesa”
Da caverna para Zhongnanhai, o complexo ao lado da Cidade Proibida onde mora a elite política, foi um trajeto que ensinou Xi Jinping a ver, como já disse, além “das flores, da glória e dos aplausos”. E a explorar a desestruturação sistêmica que os líderes das grandes potências enfrentam, tanto por movimentos históricos inevitáveis quanto por seus próprios erros. O vizinho Vladimir Putin não para de cavar o buraco em que se meteu por voluntarismo. A encolhida potência pós-soviética já era chamada de “posto de gasolina com armas nucleares” antes da invasão da Ucrânia. Corre o risco de virar uma província chinesa depois dela. Joe Biden é um presidente que cumprimenta pessoas inexistentes, não consegue encontrar o caminho para sair do palco e anistia condenados por posse de maconha para conseguir votos. Entre seus primeiros atos, quando a crise energética se desenhava, esteve o de proibir por decreto a prospecção de novas fontes de energia fóssil. A época em que os EUA governavam a si mesmos, independentemente do gênio ou do idiota que estivesse no poder, pertence a um curto e glorioso passado, quando os debates mais excêntricos eram exemplo da superioridade das democracias avançadas. Um dos temas que mais inflamam opiniões hoje é a partir de que idade as crianças devem receber tratamento para mudança de sexo sem que os pais saibam.
“A arte suprema da guerra é subjugar o inimigo sem lutar”, diz um dos mandamentos mais conhecidos de Sun Tzu, o estrategista militar de 2 500 anos atrás. A historicidade dele é contestada, mas o argumento é indiscutível. Com base nele e num mexidão ideológico batizado de marxismo nacionalista, Xi Jinping possivelmente já é o homem mais poderoso do mundo.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811