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Por que Paulo Coelho é bom letrista, mas nunca deve levar o Nobel

Uma letra de música pode ser literária, mas não precisa disso para ser boa, já um romance requer alta qualidade literária para ser realmente bom

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 21h31 - Publicado em 21 out 2016, 12h32

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Maria Carolina Maia

O Nobel outorgado a Bob Dylan suscitou – ou ressuscitou – a discussão sobre os limites da literatura. Mais precisamente, sobre se uma letra de música pode ser considerada um texto literário. Desde que contenha elementos de literatura, a começar pela carga poética, de que Dylan nunca prescindiu, não há por que excluir um texto da categoria dos poemas e mesmo da prosa em verso. Daí a considerar toda letra de música uma verdadeira poesia, porém, vai uma grande distância. Um bom exemplo para demarcar essas diferenças é a obra de Paulo Coelho. Apesar de surpreender com a escolha de Dylan, os padrões da Academia Sueca não são assim tão elásticos, e o brasileiro, mesmo que seja um letrista interessante, dificilmente se verá cotado para o Nobel de Literatura um dia.

Parceiro de Raul Seixas, Paulo Coelho é autor das letras de algumas das melhores canções do roqueiro baiano. Os textos funcionam bem sem, mas principalmente com música: têm um ritmo que se amalgama com a melodia de Raulzito, imagens instigantes, rimas ricas e pobres e, o que é mais legal, os temas místicos, que são caros ao “mago”, aparecem de maneira mais alusiva do que direta, como acontece nos livros – daí os títulos de Coelho serem vistos por muitos como auto-ajuda.

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“Eu vi Cristo ser crucificado / O amor nascer e ser assassinado / Eu vi as bruxas pegando fogo para pagarem seus pecados, / Eu vi, / Eu vi Moisés cruzar o mar vermelho / Vi Maomé cair na terra de joelhos / Eu vi Pedro negar Cristo por três vezes diante do espelho / Eu vi”, canta Raul Seixas em Há Dez Mil Anos Atrás. A letra é imagética, acessível, melódica, perfeita para ser cantada, mas não tem aquela riqueza que demanda a literatura. Aliás, padece de um ou outro ponto discutível de ordem estilística (“pagarem”) e tem um erro infeliz de português já no título. Para falar do tempo passado, basta dizer “há dez mil anos” ou “dez mil anos atrás”, juntar “há” e “atrás” é uma redundância comum, mas desnecessária.

A divertida Al Capone segue a mesma trilha de enumerar fatos históricos de um jeito simples e divertido, numa colagem pop: “Hey, Julio César, vê se não vai ao Senado / Já sabem do teu plano para controlar o Estado / Hei, Lampião, dá no pé, desapareça / Pois eles vão à feira exibir tua cabeça (…) Hey, Al Capone / Vê se te emenda / Já sabem do teu furo, meu nego / No imposto de renda”.

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Em Gitá, Coelho lista sentidos místicos, numa costura interessante, que não parece pretender ser levada a sério – diferentemente dos seus livros. “Às vezes, você me pergunta / Por que é que eu sou tão calado / Não falo de amor quase nada / Nem fico sorrindo ao seu lado / Você pensa em mim toda hora / Me come, me cospe, me deixa / Talvez você não entenda / Mas hoje eu vou lhe mostrar”, inicia a letra, que continua: “Que eu sou a a luz das estrelas / Eu sou a cor do luar / Eu sou as coisas da vida / Eu sou o medo de amar / Eu sou o medo do fraco / A força da imaginação / O blefe do jogador / Eu sou, eu fui, eu vou.”

paulo-coelhoJá nos livros, Paulo Coelho leva o misticismo a sério. E entrega muito mais – da trama, dos personagens – do que nas letras, que parecem mais brincar e sobrevoar temas e personalidades. “Para evitar tentações do amor, seu coração estava apenas em seu diário. Entrava no Copacabana apenas com seu corpo e seu cérebro, cada vez mais perceptivo, mais afiado”, diz o narrador onisciente de Onze Minutos sobre a prostituta Maria. Uma descrição excessiva, já que desnecessária: trechos do diário de Maria podem dar a informação que o narrador oferece, mastigada, numa bandeja.

“De resto, conforme prometera a si mesma, era só agüentar mais meio ano na rotina de sempre: Copacabana, aceita um drink, dançar, o que acha do Brasil, hotel, cobrar adiantado, conversar e saber tocar nos pontos exatos – tanto no corpo como na alma, principalmente na alma – ajudar nos problemas íntimos, ser amiga por meia hora, da qual onze minutos serão gastos em abre perna, fecha perna, gemidos fingindo prazer. Obrigada, espero vê-lo na próxima semana, você é realmente um homem, vou ouvir o resto da história na próxima vez que nos encontrarmos, excelente gorjeta, afinal não precisava porque eu tive muito prazer em estar com você”, é outro exemplo de passagem que não deixa espaço para o leitor. Não deixa espaço para que ele enxergue mais do que aparece nas linhas – entre elas, abaixo delas.

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Por essas e outras, Paulo Coelho pode ter sido um grande parceiro de Raulzito – e de Rita Lee, com quem colaborou no disco Fruto Proibido. Mas a Academia Sueca dificilmente gritará “Toca Raul!”.

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