A presidente da Comissão de Anistia, professora Eneá de Stutz e Almeida, acredita que o Brasil está perdendo uma oportunidade histórica neste domingo, 31, quando se completa 60 anos do golpe militar.
Liderando o órgão vinculado ao ministério dos Direitos Humanos, pasta proibida pelo presidente Lula de promover atos para lembrar as mazelas da ditadura, Eneá de Stutz e Almeida caminha numa estrada oposta.
Avalia que um pedido de desculpas das Forças Armadas em uma data tão emblemática como os 60 anos do início da ditadura militar – maior ruptura institucional da história do Brasil – “seria o momento mais adequado”. “Eu também aguardo esse pedido de desculpas das Forças Armadas e acho que agora era o momento mais adequado para isso – exatamente para marcar que lá atrás, em 1964, as Forças Armadas institucionalmente deram o golpe. Cadê esse pedido de desculpas? Cadê a assunção do erro por parte das forças armadas? Eu também continuo esperando que isso aconteça e acho lamentável que essa oportunidade agora, nesse aniversário de 60 anos, seja perdida”, afirmou à coluna.
A presidente da Comissão de Anistia continua: “antes protagonistas da ruptura institucional, agora as Forças Armadas, como instituição – seja por que razão for -, não embarcaram [completamente] na aventura golpista no ano passado”.
Eneá de Stutz e Almeida afirmou que seria importante para o Exército, Marinha e Aeronáutica marcar a diferença entre fazer uma ruptura institucional há 60 anos e agora defender a democracia como instituição.
DO QUE OS PRESIDENTES CIVIS TÊM MEDO?
Perguntada por que nenhum presidente civil pós-ditadura confrontou de fato os militares pelos Anos de Chumbo, a presidente da Comissão de Anistia devolveu com outro questionamento: “do que que esses sucessivos presidentes civis têm medo? Eu não sei, eu realmente não consigo entender”.
“Mas consigo lamentar. Lamento profundamente que as forças democráticas não sejam suficientes, de 1988 para cá, não vou nem pegar 1985, para enfrentar esse passado autoritário e essas perseguições”.
Eneá de Stutz e Almeida conta que costuma falar aos alunos do curso de direito da Universidade de Brasília que quem continua a mandar no Brasil é o general Golbery do Couto e Silva.
Principal ideólogo da ditadura militar brasileira e criador do temido Serviço Nacional de Informação, o SNI, Golbery programou, ao fim do regime militar, uma abertura lenta, gradual e segura.
“O que significa, no meu ponto de vista, essa parte, essa palavra ‘segura’, significa que nunca ninguém seria responsabilizado. E ele tem conseguido, embora já tenha falecido há muito tempo, é ele que continua mandando. É o planejamento dele para o Brasil que continua em pé”, diz a professora.
De fato, nenhum torturador brasileiro jamais foi colocado no banco dos réus – ou mesmo aqueles que mandavam nos torturadores, como o próprio Golbery.
“A maciça maioria das pessoas perseguidas pelo estado brasileiro na ditadura [jamais pegou em armas]. Estavam em outra condição: tinham manifestado sua opinião e foram presos, barbaramente torturadas, muitas vezes até assassinadas, sequestradas, por crime de opinião. E por que? Porque panfletaram ou às vezes até porque estavam no lugar errado na hora errada. Então, na dúvida a ditadura levava preso. Batia primeiro, torturava primeiro e perguntava depois. Então, assim, a maciça maioria das vítimas da ditadura não oferecia perigo nenhum, absolutamente nenhum, e ainda assim foram barbarizadas”.