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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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PL da IA precisa impedir a dupla punição, dizem juristas

Em artigo enviado à coluna, advogados afirmam que coração da proposta deveria garantir texto alinhado com o que há de mais moderno no direito administrativo

Por Flávio Unes e João Trindade
14 ago 2024, 21h30

Não há que não se desassossegue com a aparente (às vezes não apenas aparente) confusão administrativa que com alguma frequência assola a Administração Pública brasileira. Afora as complexidades inerentes à especialização de tarefas e ao próprio arranjo federativo, esse “vai-e-vem” de decisões e autorizações e licenças e revogações e suspensões tira o sono de quem muitas vezes precisa lidar com o setor público. A questão se torna ainda mais grave, contudo, quando se trata do poder sancionador.
Nesse terreno, o que muitas vezes se presencia é a imposição de sanções cumulativas, por vários órgãos e esferas, derivadas do mesmo fato, sem observar o princípio constitucional do non bis in idem, que se encontra reconhecidamente implícito na cláusula constitucional do devido processo legal (Constituição Federal, art. 5º, LIV). São multas das mais diversas origens, aplicadas pelos mais diversos órgãos, muitas vezes sem nem sequer perceber que outra instância sancionadora já puniu o mesmo autor, pelo mesmo fato, e com o mesmo fundamento…
Embora esse seja um problema atávico da própria estrutura legislativa e administrativa brasileira, não tem passado despercebido pela doutrina mais atenta e pela jurisprudência mais cuidadosa. A discussão, aliás, não é nem sequer nova: regras sobre a dosimetria de sanções administrativas, levando em conta decisões de agências reguladoras distintas, por exemplo, têm inquietado setores há pelo menos duas décadas. Veja-se, na mesma linha de raciocínio, a preocupação que foi externada pelo legislador quando da reforma da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, no art. 22, §3, ou na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 1992), quando, por meio da Lei nº 14.230, de 2021, buscou-se dar algum tratamento jurídico à sobreposição de restrições de direitos políticos derivados da inelegibilidade e da punição por improbidade. Independentemente do destino daquela normatização específica, foi nítido o recado do legislador de que é preciso encontrar um tratamento jurídico e constitucionalmente adequado para evitar a dupla punição.
Na questão da regulamentação da inteligência artificial (IA), é notória a possibilidade de que essa prejudicial sobreposição de penalidades decorra das sanções aplicadas pela “autoridade competente” a que se refere o Projeto de Lei (PL) que visa a regulamentar o tema (PL nº 2.338, de 2023) e daquelas impostas, por exemplo, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD). Realmente, é grande a possibilidade de que, por exemplo, uma utilização indevida de ferramentas de IA configure, também, uma infringência à LGPD – e essa dupla infração, se deve ser levada em conta para fins de agravamento da sanção isolada, da mesma forma deve ser tomada em consideração para se evitar a “duplicação” de penas.
Posto o problema, é preciso também oferecer uma proposta de solução. Pois bem.
Uma possível saída é justamente a inspiração nos mecanismos que buscam minimizar o “bate-cabeça” na Administração Pública em geral. No Direito Italiano, por exemplo, a Lei de Processo Administrativo criou a figura da conferenza de servizi (art. 14 da Lei Italiana nº 241, de 7 de agosto de 1990), que, por intermédio da Lei Delegada nº 180, de 20 de janeiro de 2011, do Estado de Minas Gerais, foi transposta com adaptações para a esfera federal. Foi nesse contexto que a Lei nº 14.210, de 2021, inseriu na Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, de 1999) a figura da decisão coordenada.
Por meio dessa figura (arts. 49-A a 49-G da Lei de Processo Administrativo), quando a decisão precisar ser proferida por vários órgãos ou entidades, pode ser tomada conjuntamente, para agilizar o processo, garantir a eficiência e aperfeiçoar a própria qualidade deliberativa. Por uma cautela elogiável do legislador da época (o PL, apresentado em 2015, foi de autoria do então Senador da República e hoje Ministro do TCU Antonio Anastasia), previu-se a não aplicação da decisão coordenada aos processos administrativos sancionadores – até mesmo pelo singelo fato de que a Lei nº 9.784, de 1999, trata apenas dos processos administrativos em geral, aplicando-se aos processos sancionadores apenas subsidiariamente.
Ocorre que, na esteira das discussões sobre a regulamentação da IA em nosso ordenamento, a necessidade de tratar do tema do bis in idem na esfera administrativa fica cada vez mais premente.
É por isso que propomos utilizar uma lógica semelhante à da decisão coordenada para prever que, em matéria de inteligência artificial, quando houver alguma sobreposição com outros tipos de legislação administrativa sancionadora, possa a parte interessada suscitar a possibilidade de que seja tomada uma decisão conjunta, a fim de evitar a dupla punição administrativa e, também, garantir uma dosimetria mais adequada de eventual sanção.
De acordo com nossa proposta, poderia ser inserida uma nova Seção no Capítulo IX do PL nº 2.338, de 2023, especificamente para tratar da decisão conjunta no processo administrativo sancionador. Diferentemente do que ocorre na Lei de Processo Administrativo Federal, a decisão conjunta, aqui, não será uma mera discricionariedade das autoridades com poder decisório: verificado o risco de dupla punição pelo mesmo fato, deverá a decisão final ser proferida de forma conjunta.
A análise sobre o enquadramento ou não nessa hipótese, contudo, cabe à própria autoridade que conduz o processo, caso provocada seja pela parte interessada. Eventual rejeição do pleito para que haja a decisão conjunta exige, naturalmente, concreta fundamentação, até mesmo em linha com o que dispõe o atual art. 50 da Lei de Processo Administrativo Federal.
De qualquer forma, caso se considere ser mesmo o caso de ser proferida uma decisão conjunta, as autoridades que conduzem os processos continuarão a fazê-lo isoladamente, na etapa de instrução. Apenas depois de concluída esta é que as autoridades devem reunir-se para proferirem em conjunto a decisão.
Finalmente, é preciso dispor que, em caso de eventual condenação, a dosimetria das sanções deve ser realizada de forma a que as penalidades previstas em cada legislação se compensem entre si, consideradas as peculiaridades do caso concreto. Afinal, esse é o coração da proposta: evitar a dupla punição administrativa pelo mesmo fato.
Em nossa proposta, além disso, caberá à autoridade competente citada no PL da Inteligência Artificial regulamentar a forma e o procedimento por meio dos quais essa decisão conjunta será operacionalizada.
Eis, então, de forma objetiva, nossa proposta redacional:

“CAPÍTULO IX
SEÇÃO IV
Da Decisão Conjunta no Processo Administrativo Sancionador
Art. XX No âmbito da Administração Pública Federal, quando um mesmo fato infringir normas de Direito Administrativo cuja sanções competirem a órgãos ou entidades distintas, a decisão final deve ser proferida de forma conjunta, para que não haja dupla punição.
§ 1º Cabe à parte interessada a provocação de cada autoridade responsável para aplicar a sanção, a fim de que esta delibere sobre a pertinência de decisão conjunta.
§ 2º A rejeição do pedido exige fundamentação fática e jurídica.
§ 3º Considerado procedente o pedido, os órgãos ou entidades envolvidos devem:
I – realizar a instrução processual isoladamente;
II – proferir decisão única e conjunta após o término da instrução isolada.

Art. XX Para a dosimetria de eventual penalização, os órgãos ou entidades prolatoras da decisão conjunta devem agir para que as sanções previstas em cada legislação se compensem entre si, consideradas as peculiaridades do caso concreto.
Art. XX A Autoridade Competente deve regulamentar o procedimento descrito nesta Seção.
Art. XX Fica revogado o inciso II do § 6º do art. 49-A da Lei nº 9.784, de 27 de janeiro de 1999.”

Com a inclusão desse aspecto no PL nº 2.338, de 2021, o legislador estará não apenas tratando de um tema que há muito atormenta doutrina, jurisprudência e práxis administrativa brasileiras. Estará também garantindo que a nova Lei já possa nascer alinhada com o que há de mais moderno no direito administrativo comparado, além de plenamente adequada aos princípios constitucionais do devido processo legal e do non bis in idem.

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* Flávio Unes – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Minas Gerais. Diretor Titular do Departamento Jurídico da FIESP. Presidente do Instituto de Direito Administrativo do Distrito Federal. Professor do Mestrado Profissional do IDP (São Paulo). Sócio do Silveira e Unes Advogados. Foi Assessor Especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal, Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Assessor de Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Ex-Presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados da OAB Federal. Foi Assessor Parlamentar no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. No Governo de Minas (2011-2012), exerceu a função de Secretário de Estado Adjunto de Casa Civil e Relações Institucionais.

* João Trindade – Doutor em Direito Público pela Universidade de São Paulo. Consultor Legislativo do Senado Federal. Professor de Direito Constitucional dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado do IDP. Advogado e parecerista.

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