Levamos uma pancada, mas caminhamos para um ano melhor
Economista Roberto Padovani afirma que as intensidades do choque e da recuperação em 2020 foram inéditas - e tudo sugere a volta a um mundo mais conhecido
O ano de 2020 foi inédito: a combinação de choques externos e internos fez o mundo e vários setores da economia pararem ao mesmo tempo. Mas como será 2021? No artigo abaixo, o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, analisa as pancadas que os países levaram com a pandemia, ressalta que este governo e o próximo terão problemas para controlar a dívida pública, mas enfatiza que caminhamos para um mundo mais conhecido no próximo ano.
Pancada
*Por Roberto Padovani
Pela primeira vez na história, todos os países e setores pararam ao mesmo tempo. Pela primeira vez, tivemos uma combinação de choques externo e interno, colapso de oferta com problemas na demanda.
Foi um pesadelo. A cautela com a questão sanitária na China ao final de janeiro se transformou em preocupação quando o surto alcançou a Itália e incredulidade quando o confinamento começou no Brasil, em março. Abril foi um momento de angústia, com um choque de proporções nunca vistas. A produção de veículos no Brasil foi paralisada e a taxa de desemprego poderia ter alcançado 24%, caso as pessoas que ficaram em casa e não procuraram trabalho fossem consideradas desocupadas. Como em todas as recessões, a tensão política aumentou e agravou ainda mais o quadro.
Mas assim como a crise foi única, a reação dos governos também foi inédita. O aumento dos gastos púbicos, a redução dos juros e a significativa injeção de liquidez nos mercados foi rápida e intensa.
Sem qualquer referência histórica, a profunda falta de informações tornou complexa a tarefa de estimar o tamanho da contração e a força da recuperação. As projeções mais pessimistas, e era fácil ser pessimista, chegaram a falar de uma recessão superior a 7,0%. Em junho, o FMI cravou 9,1%.
O que se viu, no entanto, é que justamente por conta dos fortes estímulos, a recuperação foi muito mais rápida que o esperado no mundo todo. No Brasil, a recessão deverá ficar ao redor de 4,5%. Mas não sem custos. Há legados negativos para os próximos anos.
O primeiro desafio será pagar a enorme dívida feita para se bancar os gastos com a pandemia. É possível que o Brasil demore este e o próximo mandato presidencial para controlar a dívida pública. Outro legado será a taxa de desemprego, que deverá começar 2021 na casa de 15%.
Há também boas notícias. Com a chegada das vacinas e com custos mais baixos e estímulos ainda presentes, a economia mundial inicia um novo ciclo de crescimento. O resultado será a recuperação dos preços de commodities, atualmente em seus níveis mais baixos em quarenta anos, descontada a inflação americana do período.
Ajuda também o fato de a inflação e os juros no Brasil estarem em patamares historicamente baixos. Setores sensíveis a crédito já mostram recuperação ao mesmo tempo em que a reabertura gradual da economia favorece o segmento de serviços, o mais atrasado na retomada.
Portanto, ainda estamos zonzos da pancada de 2020 e dificilmente voltaremos a ser os mesmos. Mas tudo indica que já caminhamos para um mundo mais conhecido em 2021.
*Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV