A carteirada de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo em guardas municipais é grave e ganhou muita repercussão na imprensa e nas redes sociais, principalmente pelas ofensas que cometeu contra os profissionais que fiscalizavam o uso da máscara facial. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está apurando o caso. No entanto, o órgão tem questões ainda mais complexas para analisar, que passam ao largo do grande público.
Um dos casos sob investigação do CNJ envolve o escritório de advocacia do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), do qual ele está licenciado desde o início do mandato e não tem participação nas decisões dos processos. A banca de advogados do escritório, contudo, foi favorecida por decisões que levaram ao afastamento, em 8 de julho deste ano, do juiz federal Alaôr Piacini, titular da 2ª Vara Federal de Anápolis, em Goiás. As deliberações foram tomadas por Alaôr em favor da empresa Aurora da Amazônia Terminais e Serviços Ltda, cliente do Ibaneis Advogados Associados.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) afastou Alaôr dos casos relacionados à empresa depois de descobrir que seu filho, Odasir Piacini Neto, atua como advogado da Aurora em outros processos. Odasir foi sócio da banca de advogados de Ibaneis até poucos dias depois de o pai começar a julgar a ação. Ele saiu da banca de advogados em junho de 2019. Mas continuou trabalhando em parceria com outros advogados que integram a banca do escritório em favor da Aurora e de outros clientes.
“Contudo, a juntada da procuração comprova que a premissa estava equivocada, uma vez que, em que pese ter deixado o escritório que patrocinava a empresa Aurora, foi outorgada procuração por essa empresa conferindo poderes expressamente ao advogado Odasir em 02.10.2019. Dessa forma, restou cabalmente comprovada a continuidade do vínculo do citado advogado com a empresa Aurora mesmo após seu desligamento do escritório de advocacia que a patrocinava”, destaca a juíza Ângela Catão, corregedora do tribunal, ao defender o afastamento do magistrado dos processos vinculados à Aurora.
Em uma das causas em que Odasir seguiu como advogado, a Aurora tenta reverter a sua classificação como inidôneada, pela Infraero, para participar da licitação do terminal de cargas do aeroporto de Manaus. Para dar andamento ao processo, a empresa apresentou um instrumento particular de mandato, datado de 02 e outubro de 2019, apenas quatro meses depois de o advogado haver declarado que deixou a banca. No documento, o nome de Odasir aparece junto com o do advogado Johann Homonai – sócio do Ibaneis Advogados e um dos profissionais escalados pelo escritório para atuar também no caso do Porto Seco, terminal alfandegário que movimenta e armazena cargas em Anápolis.
Em uma das decisões que motivou o afastamento, o juiz Alaôr Piacini obrigou a União e a Receita Federal a assinarem um contrato de concessão do porto seco de Anápolis com a Aurora. O edital estima que negócio deve render algo em torno de R$ 40 bilhões para a empresa nos próximos 25 anos.
A coluna enviou perguntas ao escritório de Ibaneis Rocha, para o advogado Odasir Piacini Neto e ao advogado e sócio Johann Homonai, mas eles não responderam os questionamentos, e também para o governador do Distrito Federal. O governador afirmou, por meio de sua assessoria, que está licenciado do escritório de advocacia desde o início do mandato. Já a empresa Aurora nega qualquer favorecimento e destaca que a concorrente não aceitou a sua vitória. Entenda aqui. “Não houve qualquer favorecimento à Aurora durante a longa batalha judicial e a sua vitória na licitação foi confirmada não somente pela Instância Superior, mas também pelo Tribunal de Contas da União”, ressaltou a empresa. O juiz Alaôr Piacini não foi encontrado.