Sempre lembrarei com carinho do cineasta e jornalista Arnaldo Jabor. Um fato me veio à mente quando soube de sua morte. Em um momento importante da minha vida pessoal, fiquei hospedado com o meu pai, Marcelo Netto, no apartamento de Jabor, em Nova York.
À época, no ano de 2000, meu pai sempre ouvia as músicas do cd Buena Vista Social Club, um grande sucesso cubano. Todas as manhãs. Todos os dias. Com o volume no máximo.
Numa manhã, as notas suingadas foram interrompidas por um forte estrondo: “Pow!” A vibração provocada pelo som alto derrubou uma linda cruz de cerâmica de Jabor, que rachou ao meio.
O resto desta engraçada história está contada no meu livro Em Nome dos Pais.
Lembro da cruz agora porque o que Arnaldo Jabor colocou como obrigação para ele mesmo foi ajudar o Brasil a pensar.
Essa era a verdadeira cruz de Jabor, num país que tem se recusado cada vez mais a usar a inteligência para ver e analisar a realidade.
O cineasta ensinou o país a pensar sempre fora do padrão. Não porque fosse professoral, pelo contrário. Ele chocava, surpreendia, sacudia. Se todos os pensadores estavam indo numa direção, ele resolvia seguir por outra.
Arnaldo Jabor transgrediu o pensamento comum, por isso sempre fez tanto sucesso, seja no cinema, no jornalismo, na literatura, nos inesquecíveis comentários na TV Globo. E sempre provocou tanta polêmica.
Não conheci tanto Jabor para dizer com absoluta certeza. Mas acredito que transgredir o senso comum constantemente tenha sido um peso para ele, uma cruz a ser carregada, principalmente agora em época de sucesso das manadas. A vida inteira o cineasta deixou claro que estava aqui para incomodar.
Para mim, sempre ficará essa doce lembrança de conviver no ambiente de Jabor, no canto dele em Nova York – um tempo de uma alegria imensa, e no auge da minha juventude. Estadia inesquecível. Fui muito feliz sob o seu teto, Arnaldo Jabor.