A cem dias do julgamento em Londres, vítimas de Mariana lançam manifesto
Em 7 de outubro, mineradoras Vale e BHP Billiton serão levadas a tribunal em Londres para responder por danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão
A luta por justiça pelo crime socioambiental em Mariana (MG) entra em contagem regressiva para o início do julgamento das mineradoras Vale e BHP Billiton, em Londres. A exatos 100 dias da data marcada pela Corte britância – 7 de outubro –, as vítimas do desastre se organizam para colher assinaturas para uma carta-manifesto pedindo reparação justa para os atingidos, além da limpeza e restauração da vida do Rio Doce.
Com o mote “9 anos de impunidade, 100 dias para fazer justiça”, a campanha Revida Mariana, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), busca mobilizar sociedade civil, movimentos sociais, ativistas, organizações não-governamentais e a imprensa brasileira para acompanhar o caso de perto. Uma carta-manifesto está disponível no site da campanha, para reunir signatários em favor da causa.
“As mineradoras devem ser responsabilizadas pelos crimes ambientais cometidos em qualquer lugar e as corporações multinacionais não podem se esconder atrás de suas subsidiárias, da burocracia local ou de advogados caros”, defende o documento, que descreve o processo no Reino Unido como “divisor de águas” em relação a responsabilidade corporativa em nível global.
Cerca de 700 mil vítimas de Mariana participam da ação inglesa, entre indivíduos, comunidades indígenas e quilombolas, municípios, empresas, autarquias e instituições religiosas. A indenização é avaliada em R$ 230 bilhões e a previsão é que o julgamento dure 14 semanas.
Mobilizações no estado
Durante manifestação realizada na última quinta-feira, 27, em Governador Valadares (MG), Thiago Alves, da coordenação nacional do MAB, defendeu mais uma vez a importância da escuta dos atingidos nos acordos de repactuação. “O nosso dinheiro, o dinheiro dos atingidos, não pode ir para a mão dos governos. Não pode voltar para a mão das empresas. Tem que ir para as famílias atingidas por meio de programas investidos na nossa região, que gera emprego e renda, que revitalize o meio ambiente e que nos dê condições de desenvolver essa região”, disse.
O protesto, que aconteceu na porta da reunião do Comitê Interfederativo (CIF), que fiscaliza a Fundação Renova (criada pelas mineradoras para reparar os danos do crime), reuniu cerca de 150 pessoas atingidas. Essa foi a segunda mobilização do MAB esse mês para cobrar participação popular nas mesas de negociação para ressarcir municípios e pessoas atingidas pela tragédia.
Além disso, o movimento luta para assegurar o direito das vítimas do crime socioambiental de buscar justiça em outros tribunais, após tentativas das mineradoras e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) de impedir o processo judicial em Londres.
Inicialmente, as mineradoras solicitaram uma liminar em caráter de urgência para impedir a judicialização do caso em tribunais no exterior. No entanto, o pedido foi rejeitado pelo ministro Flávio Dino, que encaminhou a questão diretamente ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, a ação será julgada por 10 dos 11 ministros da Corte, uma vez que Cristiano Zanin se declarou impedido de analisar o caso.
Leia a íntegra da carta do Revida Mariana:
‘Há quase 9 anos um crime vitimou um país inteiro. O maior desastre ambiental da história do Brasil matou um rio, soterrou comunidades inteiras e devastou mais de um milhão de vidas.
Os signatários desta carta pedem que a Vale e a BHP Billiton, responsáveis pela barragem e pela devastação sejam responsabilizadas pela Justiça, limpem o que sujaram, despoluam aquilo que contaminaram e indenizem adequadamente todas as vítimas.
Em 2015, um tsunami de lama tóxica rompeu de uma barragem de rejeitos de mineração no estado de Minas Gerais, Brasil. A lama tóxica destruiu uma cidade e um dos rios mais importantes do país, o Rio Doce. O Rio Doce e seus afluentes foram envenenados com metais pesados e outras substâncias perigosas. A pesca, a agricultura, a pecuária e o acesso à água potável foram totalmente inviabilizados. O acidente tirou 19 vidas, privou o acesso de milhões de pessoas a água potável e destruiu o modo de vida de incontáveis pessoas que viviam nas margens do rio.
O crime da barragem de Mariana também destruiu um modo de vida para as muitas comunidades indígenas brasileiras que vivem ao longo do rio e do litoral capixaba. Para elas, o rio era uma entidade viva, não apenas uma fonte de alimento, nutrição e identidade. Eles não têm mais um lugar que possam chamar de lar, nem uma terra que os sustente.
O processo judicial contra a BHP, iniciado no Reino Unido pelo escritório internacional de advocacia Pogust Goodhead, é um “divisor de águas” em termos de responsabilidade corporativa para o mundo. A existência desta ação que reúne 700 mil pessoas, 2 mil empresas e 46 municípios é um grito de denúncia demonstrando que as empresas continuam impunes.
As mineradoras devem ser responsabilizadas pelos crimes ambientais cometidos em qualquer lugar e as corporações multinacionais não podem se esconder atrás de suas subsidiárias, da burocracia local ou de advogados caros.
Já passou da hora da BHP e da Vale serem responsabilizadas e indenizem adequadamente os atingidos pela tragédia. O povo brasileiro quer justiça. Eles precisam ser ouvidos e reconhecidos pelas empresas que destruíram suas vidas.
NÓS CLAMAMOS POR:
1. Nós clamamos para que as mineradoras Vale e BHP, donas da barragem do Fundão em Mariana – indenizem adequadamente todas as vítimas, incluindo pelos danos contínuos na saúde sem quitações definitivas
2. Queremos ver a justa resolução dos casos relacionados ao desastre, no Brasil e no exterior.
3. Nós pedimos que as empresas responsáveis façam a limpeza e restauração da vida do Rio Doce e seus afluentes afetados, recuperação de nascentes, e retificação dos demais danos ambientais causados ao redor do rompimento da barragem.”