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A coluna trata de desigualdade, com destaque para casos em que as prioridades na defesa dos mais ricos e mais fortes acabam abrigadas na legislação, na prática dos tribunais e nas tradições culturais
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A doença dos planos de saúde

Os aumentos empurram mais usuários para o SUS, que tem mais demanda e menos dinheiro

Por Marcos Emílio Gomes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 fev 2021, 18h55 - Publicado em 5 fev 2021, 19h28

Seu plano de saúde subiu? Muito? Saiba que essa é só a primeira parte da má notícia.

A segunda parte é que não há solução à vista para esse problema, a menos que os consumidores, por si mesmos, decidam rebelar-se e promovam um boicote de pelo menos seis meses contra as operadoras e as empresas que agem na intermediação de contratos coletivos ou por adesão.

Não é de hoje que os contratantes de qualquer modalidade de plano de saúde notam que os reajustes anuais são sempre maiores do que a inflação acumulada a cada período.

A tabela abaixo compara os índices de reajuste autorizados anualmente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e os percentuais de inflação acumulada no INPC, IPCA e IGP-M.

Tabela de evolução de planos de saúde
Tabela de evolução de planos de saúde (ANS/IBGE/Arquivo)

É fácil notar que a ANS não atua para garantir aos brasileiros um padrão de reajustes compatível com a evolução da renda média dos consumidores.

Nas suas justificativas, a agência informa sempre que os custos de serviços médicos, que ela permite repassar, evoluem mais do que a inflação porque embutem os aumentos determinados pela evolução tecnológica dos equipamentos e sistemas de atendimento.

O argumento tem uma lógica que atenta não só contra o bolso do contratante de um plano qualquer mas também contra o bom senso, porque, se essa é uma consideração a fazer, deveria haver também um abatimento nos valores referentes a amortização de investimentos passados feitos pelos prestadores de serviços médicos e ainda dos ganhos de escala determinados pelo aumento da utilização de novas máquinas, acessórios e qualquer outro tipo de tecnologia.

Do mesmo modo, é do conhecimento de qualquer usuário de plano de saúde que o acesso efetivo aos tratamentos tecnológicos de ponta – que seriam a razão de boa parte dos aumentos – é um dos benefícios prometidos por diversos planos mas completamente sonegado na prática dos atendimentos.

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Cabe acrescentar ainda, nessa questão de composição de preços, a relação nada cordial existente entre planos de saúde e médicos credenciados, uma vez que esse raramente são contemplados com reajustes proporcionais aos que são cobrados dos usuários, recebem valores muitas vezes irrisórios pelas consultas e são aconselhados a evitar pedidos de exames de alto custo a clientes conveniados.

Num capítulo à parte e recente, os planos de saúde adotaram o atendimento virtual para consultas preliminares. Ainda antes da pandemia a Associação Médica Brasileira reclamou na ANS usando como argumento a supostamente insubstituível necessidade de relação direta entre especialista e paciente. Isso pode ser um fato, mas também é óbvia a perda de consultas por parte de médicos credenciados e a redução de custos para as operadoras dos planos. A disseminação da Covid-19 acabou por institucionalizar o procedimento que significa para as empresas uma economia que não será repassada a seus clientes.

Até aqui, tratou-se basicamente dos problemas que afetam diretamente os adquirentes de planos individuais e familiares, uma raridade no mercado de saúde desde a criação dos sistemas coletivos ou por adesão, facilmente contratáveis em todo o Brasil.

Nesse tipo de contrato, os índices mostrados na tabela como limites de reajuste determinados pela ANS não valem nada e a agência não tem poder regulatório sobre os valores cobrados se os parâmetros de aumento anual estiverem expressos na documentação de adesão, ainda que em letras miúdas, escondidos entre cláusulas banais e geralmente incompreensíveis para os padrões educacionais da população brasileira.

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Assim, quem tem um contrato de adesão ancorado no INPC, IPCA ou IGP-M, por exemplo, estaria teoricamente protegido da benevolência da ANS para com as operadoras, pelo menos com a garantia de que um índice inflacionário garante o equilíbrio do negócio ao longo dos anos.

Mas essa ilusão de segurança não resiste ao primeiro ano de validade de um plano, quando as empresas apresentam a suas vítimas o valor do reajuste anual calculado, não só com o padrão contratado, mas também pelo índice de sinistralidade, uma engenhosa articulação aritmética que repassa para o consumidor não só os riscos do negócio mas também aquilo que a empresa classifica como aumento inesperado do volume de atendimentos.

Ninguém acredita que companhias de reputação ilibada e seguradoras ligadas a grandes bancos sejam capazes de fraudar seus clientes de forma tão descarada, mas, para dar um exemplo simples de como a surpresa na sinistralidade pode funcionar, é possível considerar que uma operadora subestime a previsão de internações por problemas cardíacos no seu cálculo de custos anual e, depois, repasse a diferença na conta para seus contratantes.

Recorde-se, ainda, que todos os tipos de planos, individuais, familiares ou coletivos, têm aumentos programados esperando seus clientes a cada mudança de faixa etária, num processo que pode multiplicar por seis, conforme a regulamentação, o valor pago por um idoso em relação ao que desembolsa um jovem adquirente.

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Numa lista de possibilidades de aumento que parece nunca acabar, a ANS aceita também a chamada recomposição financeira pleiteada por operadora que pretenda restabelecer o equilíbrio econômico em seus contratos – algo como ganhar aumento de salário apenas porque se gastou demais. Não há cláusula, porém, para restabelecimento de equilíbrio econômico que preserve direitos dos contratantes.

A mais redonda razão pela qual se pode afirmar que esse cenário corrosivo para os consumidores não mudará está na própria gestão da ANS, que tem em sua diretoria cinco pessoas livremente escolhidas pelo presidente da República, uma delas para mandato como presidente da agência.

No quadro atual, quatro são substitutos e o quinto, Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, atual diretor de normas e habilitação das operadoras, foi indicado em dezembro por Jair Bolsonaro para ser o próximo presidente. Conforme Veja noticiou em dezembro (em texto que pode ser lido neste link), trata-se de um advogado ligado ao Centrão e que pode ajudar a cumprir a cota de regalias políticas devidas pelo presidente aos seus novos amigos no Congresso. Paulo e outros três indicados precisam passar por sabatina no Senado, que não tem ainda data definida.

Outra circunstância que promete agravar, a médio e longo prazos, a questão dos preços dos planos de saúde, também foi noticiada por Veja recentemente (em texto que pode ser lido neste link).

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No começo de fevereiro, o superintendente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais, explicou que a longa crise econômica já anterior à emergência sanitária reduziu a base de clientes da operadoras, mas este ano, com a pandemia, houve uma leve recuperação na quantidade de contratantes, decorrente da preocupação geral com questões de saúde.

Ironicamente, porém, ainda que a demanda por serviços médicos não relacionados à Covid tenha caído a ponto de haver consultórios em processo de falência, os custos das empresas que gerenciam planos teriam aumentado. “A crise causada pelo novo coronavírus teve impacto financeiro nas operadoras, que agora buscam reaver suas perdas”, informou Marcos Novais.

Os demonstrativos da ANS mostram, porém, que os lucros foram extraordinários no ano passado e ainda houve recursos de emergência que o governo liberou para que as empresas mantivessem os inadimplentes em condições de atendimento. Mas se as demonstrações financeiras enviadas à ANS sustentarem, de algum modo, essa condição de dificuldade das empresas, advinhe para quem a conta será repassada no próximo reajuste, ainda em 2021, sem contestações?

Se a implantação do SUS, a partir de 1988, significou de verdade um avanço na questão do acesso à saúde no Brasil, a criação da ANS, dois anos depois, poderia ter significado um arremate na equação do problema, mesmo num país em que outras situações relacionadas à desigualdade não tinham a mesma perspectiva de encaminhamento.

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No entanto, o resultado é que, para uma classe média sob risco de desemprego, apertada pelos preços de alimentos em elevação e com salários em queda, o caminho que resta, diante do insustentável aumento dos preços dos planos de saúde, é abandoná-los, contribuindo para pressionar ainda mais o sistema público, já bastante prejudicado pelas condições atuais e pelo saldo a ser avaliado depois da pandemia.

Recorde-se que a proposta orçamentária a ser votada no Congresso reduz o orçamento do SUS, que já havia sido golpeado anteriormente. (Você pode comentar este texto no site Ora Essa!, em ambiente seguro, neste link.)

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