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Por José Benedito da Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Ramiro Brites. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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ARTIGO: A retórica antissistema, de Jânio Quadros a Pablo Marçal

Considerável do eleitorado prefere atores que desejam desconstruir a ordem estabelecida

Por *Creomar de Souza e Denilde Holzhacker
19 set 2024, 10h07
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  • Não é de hoje que as estratégias de campanha de candidatos privilegiam o êxito a qualquer custo, em detrimento da qualidade de propostas. É o instinto pragmático ou de sobrevivência dos políticos, sobretudo no contexto de comunicação de massas, em que a competição eleitoral se aproxima do modelo mercadológico. O invólucro e o “marketing” parecem ser mais eficazes do que a qualidade na hora de vender o produto e isso seduz os candidatos, independentemente de ideologia.

    Isso tem se traduzido em campanhas caras. Depois de eleitos, no entanto, os candidatos são incapazes de contribuir para política públicas de qualidade. Ao contrário, a sensação entre fatias cada vez mais expressivas da sociedade brasileira é a de que se trabalha muito, se pagam muitos tributos, mas o acesso aos serviços públicos está muito aquém das expectativas e necessidades dos cidadãos.

    Concretamente, o descontentamento com a qualidade ou a inexistência de serviços públicos – no caso dos mais vulneráveis socialmente – somada à sensação de que a vida não trará perspectivas de melhoria material – situação da classe média nacional – parecem alimentar dois fenômenos em relação à representação: o primeiro deles é um movimento de descrença e desalento com as velhas fórmulas e formatos de propaganda eleitoral. O segundo, por sua vez, é uma percepção de que o processo eleitoral é o momento de dar o troco nos velhos políticos – mesmo que estes sejam jovens – e em suas convicções.

    É preciso entender que o Brasil opera dentro de parâmetros históricos de uma democracia de média qualidade, caracterizada pela crescente perda de legitimidade do sistema político, afetando profundamente a qualidade e a eficácia das instituições democráticas, que passam a ser vistas por alguns grupos como parte do problema, e não da solução. Disso resulta a divisão da sociedade e do sistema político, que parecem se separar em dois grupos. Um primeiro que reconhece, em tese, a importância do sistema político, mas não transforma essa consciência em esforço real de aprimoramento de políticas públicas. E um outro grupo que,  diante da apartação entre representantes e representados assume clara posição de contestação da ordem estabelecida.

    A encarnação mais recente desse fenômeno é a candidatura de Pablo Marçal para a prefeitura de São Paulo. Guardadas as devidas proporções e características próprias de cada momento, é possível afirmar que este tipo de ator é um fenômeno recorrente na história eleitoral nacional. De Jânio Quadros e sua vassourinha nas eleições de 1960, passando por Collor e sua caça aos Marajás em 1989 e desembocando em Bolsonaro e sua crítica a tudo que estava aí em 2018, o que se observa é uma predileção de parte considerável do eleitorado por atores que desejam desconstruir a ordem estabelecida, mesmo que não digam claramente o que irão colocar em seu lugar.

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    Nesse sentido, a figura de Marçal chama atenção não por sua fala ou capacidade de comunicação, mas por encarnar como ninguém o típico político antissistema. O desdém e a desfaçatez com que se dirige ao jornalismo e aos seus rivais relevam certa consonância com a indignação que se constrói entre setores da sociedade que se sentem excluídos do pacto político e civilizatório da Constituição Federal de 1988.

    Isso importa, pois, sejam os mais pobres sem acesso ao serviço público de qualidade, seja a classe média sem perspectiva ou mesmo investidores do mercado financeiro, o ponto que parece unir a todos é o descontentamento e a descrença com o sistema político e com a representação. Esse ressentimento com o sistema se canaliza eleitoralmente no apoio a figuras que se vendem como capazes de desconstruir a ordem estabelecida. Os elementos manipulados por essa vertente antissistema incluem a ideia de meritocracia, a lógica de um governo menos invasivo e uma percepção quase que teológica da organização da vida social. Esses elementos constitutivos do discurso dos políticos ditos antissistema refletem o acumulado de frustrações e desejos irrealizados dos mais diversos grupos sociais, garantindo tração ao comportamento político de desafio à ordem como forma de obter espaços de poder político e as benesses dele derivadas.

     O caso de Pablo Marçal exemplifica como os candidatos antissistema na atualidade inovam no campo digital para ampliar seu apelo, criando uma sensação de imediatismo e autenticidade que ressoa em um eleitorado cada vez mais desiludido. A capacidade de mobilizar e sustentar um movimento eleitoral por meio comunicação digital desestabiliza ainda mais as estruturas institucionais. Para o sistema político e os demais candidatos, o desafio, portanto, não está apenas em abordar as causas fundamentais do descontentamento público, mas também em entender e mitigar os impactos que a ascensão destes candidatos gera à ordem institucional. Enquanto a competição eleitoral se resumir à construção digital de imagens e à venda de pseudo-soluções milagrosas dos novos candidatos antissistema, numa espécie de populismo repaginado, as velhas estruturas seguirão intocadas e a qualidade de políticas públicas continuará sendo comprometida, num movimento cíclico que gera apenas mais desilusão e frustração com a política.

    * Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk and Strategy, consultoria de análise de risco político sediada em Brasília; Denilde Holzhacker, cientista política, diretora acadêmica de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu na ESPM

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