O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, criticou a lentidão na responsabilização por crimes ambientais no Brasil, que classificou como um “império de impunidade”. Ele defendeu mudanças na legislação para endurecer a pena por incêndios e desmatamentos, e disse que há apoio no Congresso Nacional, inclusive da bancada ruralista, que costuma ser mais resistente a pautas do tipo.
Agostinho também admitiu que há demora no julgamento dos processos administrativos do Ibama. Como mostrou reportagem de capa de VEJA desta semana, o Ibama aplicou 272.000 multas nos últimos trinta anos, mas recebeu apenas um terço delas, especialmente as de menor valor. Dos 44 bilhões de reais autuados, apenas 569 milhões de reais entraram nos cofres públicos, ou seja, 1,3% do total. Uma em cada dez sanções perdeu a validade em razão da demora para concluir o processo administrativo. Leia a trechos da entrevista abaixo:
Quais os principais desafios na punição dos incêndios e outros tipos de crimes ambientais? A lei estabelece penas baixas para a maior parte dos crimes ambientais, inclusive no caso de incêndio. É um crime considerado de menor potencial ofensivo, então ninguém acaba preso. Se troca a pena por uma cesta básica e fica tudo nessa mesma situação. Nós dialogamos com o Conselho Nacional de Justiça, e o ministro Luís Roberto Barroso determinou prioridade no julgamento desses casos. Muitos processos também prescrevem ao longo do tempo porque se a pena é baixa, o tempo para prescrição também acaba sendo baixo. Então, muitos processos de pessoas que são pegas ateando fogo na sua propriedade, na propriedade de vizinho, em áreas públicas, acabam não dando em nada. Muitas pessoas que praticam crimes ambientais acabam não sendo responsabilizadas. Cria-se um império de impunidade. Você não vai encontrar pessoas presas por desmatamento ou pelo crime de grilagem de terras no Brasil. A gente precisa avançar na legislação ambiental brasileira. É uma legislação reconhecida internacionalmente como bastante eficaz em vários aspectos, muito inovadora, mas do ponto de vista da responsabilização, ela tem muitos problemas, notadamente a baixa pena e a estrutura do tráfego judicial.
“Muitas pessoas que praticam crimes ambientais acabam não sendo responsabilizadas. Cria-se um império de impunidade”
E no âmbito administrativo? Um relatório de 2022, do TCU, mostrou que o tempo médio para a tramitação de um processo no Ibama é de seis anos, podendo chegar a onze. O que explica essa demora? Nós melhoramos a estrutura, conseguimos reforçar a equipe, mas é um problema. Estamos fazendo um mutirão desde o ano passado. A gente já conseguiu julgar 30 mil processos. Algumas multas de fato tinham prescrito, mas a maioria foi julgada e hoje está em instância de cobrança. Há um volume muito alto de processos, e muitos autuados preferem brigar na Justiça, conseguindo a suspensão dos processos administrativos. Então, o processo administrativo acaba sendo interrompido o tempo todo por decisões judiciais. Nós estamos trabalhando com muitas outras alternativas agora, inclusive com os embargos. Acaba sendo uma medida um pouco mais rápida nessa tentativa de redução de impunidade. O que a gente percebe é que os autuados pequenos pagam a multa, as pessoas jurídicas também preferem pagar, mas muitos fazendeiros preferem recorrer a advogados, aí os recursos são intermináveis e isso acaba atrasando demais a conclusão dos processos.
A taxa de julgamento das multas também é muito baixa, não chega a 20%. A que o senhor atribui esse problema? Falta gente? Olha, melhorou muito. A gente colocou mais de 100 pessoas para trabalhar na área de multas. Como eu disse, a gente conseguiu julgar cerca de 30 mil multas em um ano e meio. O Ibama é um dos órgãos que foram desmontados ao longo da última década. O instituto chegou a ter 6.300 servidores, tem hoje algo em torno de 2.600 ativos. Então, de fato, existe uma carência. Estamos compensando essa falta de servidores com tecnologia. Um concurso já foi autorizado para novas vagas. Isso vai ajudar bastante.
O senhor defendeu a mudança na legislação. Atualmente a gente tem um Congresso mais à direita, resistente a pautas para o meio ambiente. O senhor vê possibilidade de discussão nesse momento? Sim, eu vejo. A agricultura brasileira perdeu muito dinheiro com os incêndios. Muitas fazendas foram incendiadas de forma criminosa. Muita gente perdeu a produção, muita gente perdeu o patrimônio. Só para você ter uma ideia, no Brasil, 30% das áreas queimadas são áreas florestais. O restante são áreas de pastagem, de cultivo agrícola, de outros ambientes não florestais. Acho que interessa a todos que estão preocupados com o meio ambiente, aqueles que estão preocupados com patrimônio. Enfim, eu acho que é um momento bastante oportuno para se rever a legislação, exatamente a lei dos crimes ambientais. E eu acho que o Congresso tem interesse nisso.
“Muitas fazendas foram incendiadas de forma criminosa. Muita gente perdeu a produção, muita gente perdeu o patrimônio”
Tem algum tipo de diálogo com a bancada ruralista sobre esse assunto? Eu tenho dialogado com muitos parlamentares, incluindo deputados da bancada ruralista, que estão indignados com esses incêndios e querem também ajudar. A verdade é que, no caso de incêndios, a gente também tem outros problemas que precisam ser colocados. É muito difícil encontrar quem é o responsável, a não ser quando a pessoa coloca fogo na sua própria propriedade. De maneira geral, nem sempre você tem uma câmera que consiga flagrar a pessoa. Então, a gente não tem apenas o problema ligado à lei propriamente dita. Não basta só o Legislativo, também precisamos que a sociedade se conscientize.