Antônio Delfim Netto foi o economista mais influente do país. Professor, pesquisador, ministro, embaixador, deputado constituinte, articulador político, colunista, consultor econômico e conselheiro de presidentes da República são características que marcaram uma trajetória inigualável.
Entre suas frases imperdíveis está a que intitula esta coluna. Ele rejeitava, corretamente, a ideia de explicar o extraordinário desempenho da economia brasileira (média de crescimento de 11% entre 1968 e 1973) como “milagre”. Ao contrário, o êxito era devido aos brasileiros, às transformações institucionais do governo Castello Branco (1964-1967), à ação da política econômica e ao trabalho de todos.
Delfim se tornou livre-docente na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo com uma tese intitulada “O Problema do Café no Brasil”. O texto, um dos mais importantes trabalhos acadêmicos do país, teve grande impacto na época (quando virou livro) e continua sendo lido até hoje.
“Como deputado, contribuiu para que a Constituição incluísse os itens propriedade privada e concorrência”
Convivi com Delfim por seis anos no governo Figueiredo, quando fui assessor econômico e secretário-executivo da Fazenda. Então no Planejamento, ele liderava a equipe econômica ao lado do ministro da Fazenda Ernane Galvêas. As duas equipes se integravam no enfrentamento da crise econômica, que se agravara com três eventos externos negativos: (1) o segundo choque do petróleo (1979); (2) a elevação da taxa de juros do banco central americano — que atingiu inacreditáveis 20% em junho de 1981; (3) a moratória mexicana de agosto de 1982, que provocou a crise da dívida externa. Mais de trinta países foram atingidos, incluindo quase todos da América do Sul, o próprio México e a Coreia do Sul.
Como acadêmico, Delfim buscou entender a realidade do país combinando história com o método quantitativo. Contribuiu para formar uma geração de economistas que viriam a se tornar seus colaboradores no Ministério da Fazenda e se tornariam igualmente famosos: Affonso Celso Pastore, Eduardo Pereira de Carvalho, Akihiro Ikeda, Carlos Viacava, Carlos Antonio Rocca, entre outros.
Eleito deputado federal (1986), foi influente membro da Assembleia Constituinte. Um dos articuladores do Centrão (não o Centrão fisiológico de hoje), contribuiu para neutralizar grande parte de propostas inconsequentes que tornariam muito pior os dispositivos econômicos da Constituição. Participou dos trabalhos que resultaram em seu artigo 170, segundo o qual a ordem econômica será “fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa”. Para mim, dois de seus itens são os mais relevantes para a economia: a propriedade privada e a concorrência.
Delfim Netto era um otimista. Nunca deixou de acreditar nas possibilidades de desenvolvimento do país. Jamais o vi irritado, aflito ou desesperado, mesmo nos momentos mais difíceis das crises. Era dotado de um bom humor invejável. Sua liderança e capacidade de trabalho foram partes relevantes de sua contribuição ao progresso do Brasil.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906