A federação brasileira nasceu artificialmente e nunca se firmou. Na República (1889), o Estado unitário de inspiração portuguesa virou uma federação fraca. As províncias da época do Império se transformaram em Estados. Copiamos a federação americana, surgida da Constituição de 1787 e de estados autônomos oriundos da Guerra de Independência. No começo da nação americana, criou-se uma confederação na qual a acentuada autonomia dos estados ameaçava fragmentar o novo país em várias nações, como viria a acontecer com a América espanhola. A saída foi a federação nascida da liderança de George Washington de outros pais fundadores, para, entre outros objetivos, preservar a unidade territorial. Permitiu-se certo grau de centralismo sob a coordenação de um ente central, a União, que ganharia um território (o Distrito de Colúmbia, onde fica a capital, Washington), forças armadas e o poder de tributar. Deu certo, como hoje se sabe.
No Brasil, não havia como reproduzir o arranjo federativo americano. Nossas tradições eram outras. Na primeira República (1889-1930), o poder central continuou forte. O governo federal cooptava os estados com a chamada política de governadores. No período Vargas (1930-1945), voltamos na prática ao estado unitário português.
A partir do experimento democrático do período 1945-1964, passou-se a discutir um novo federalismo, com autonomia para os estados. Não avançou muito. No regime militar (1964-1985), houve tempo em que os governadores eram indicados pelo governo federal. Consolidou-se, todavia, uma política de participação dos estados e municípios na arrecadação do Imposto de Renda e do IPI. Aumentou a busca de transferências negociadas da União para financiar projetos específicos nas unidades da Federação. Em 1967, entrou em vigor um sistema tributário moderno, em que cabia aos estados e municípios arrecadar o mais importante dos tributos sobre o consumo, o ICM (depois ICMS com a Constituição de 1988). A harmonização de regras e regimes, na linha do que ocorre na Europa com o IVA (imposto sobre o valor agregado), era feita pelo governo federal via Confaz, um conselho presidido pelo Ministro da Fazenda e composto por todos os secretários de Fazenda dos estados.
A Constituição de 1988 promoveu uma grande descentralização federativa nos tributos sobre o consumo. Atendia-se uma velha reivindicação de governadores, apoiada por cientistas políticos que sonhavam com a reprodução, aqui, do federalismo americano.
Deu errado, como se viu. O ICMS virou uma bagunça. São 27 legislações distintas caracterizadas por incontáveis regimes e alíquotas. O ICMS muda 70 vezes por semana. É quase impossível desonerá-lo integralmente nas exportações. O tributo se tornou a principal fonte de ineficiências da economia brasileira.
A má descentralização federativa, que incluiu brutal transferência de recursos da União para os Estados e municípios, resultou em guerra fiscal, ineficiências, queda de produtividade da economia e em perda de competitividade dos produtos brasileiros. Contribuiu para a redução do potencial de crescimento econômico.
A experiência mostrou como são ingênuas as teses de descentralização federativa. É preciso revê-las com humildade. A descentralizado deve ser um ideal, mas considerando as peculiaridades históricas e políticas do Brasil. Está na hora de apoiar a extinção do ICMS, do ISS municipal e do IPI federal. Todos eles, juntamente com as contribuições federais (Pis e Cofins) seriam agrupados em um IVA nacional, arrecadado pela União e partilhado automaticamente com estados e municípios. É assim em 152 países que adotam o IVA, inclusive em federações fortes como a Alemanha, a Austria e a Austrália. Só assim será possível desonerar os tributos sobre o consumo nas exportações. Sem isso, o Brasil dificilmente participará da nova realidade da globalização e de sua consequência maior, isto é, as cadeias globais de valor. Ficaremos para trás.
No próximo artigo, vou comentar outro fracasso da descentralização federativa: a que resultou na falência de um número considerável de estados e municípios.