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Uso de antibiótico em infecções urinárias: há excesso?

É preocupante o aumento da resistência a antibióticos. É essencial limitar o uso desses medicamentos em infecções não complicadas e assintomáticas

Por Artur Timerman
17 Maio 2017, 13h25
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  • É corriqueiro na prática clínica diária encontrarmos pacientes, principalmente mulheres acima dos 60 anos de idade, que nos procuram após terem se consultado com inúmeros outros médicos, das mais variadas especialidades, com a queixa de que apresentam infecções urinárias que não puderam ser erradicadas após uso dos mais variados antibióticos, muitos deles por tempo prolongado.

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    Infecções assintomáticas não requerem antibióticos

    Quando as questionamos quanto aos sintomas que apresentam, referem nada sentir, mas o exame de urina sempre se mostra alterado e as culturas evidenciam crescimento de bactéria, grande parte das vezes Escherichia coli. Essa situação caracteriza o que se denomina “bacteriúria assintomática” e, com muito poucas exceções, não requer uso de antibiótico. Não obstante, representa uma das infecções responsáveis por cerca de 15-20% das prescrições diárias de antibióticos.

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    Causas e consequências da resistência bacteriana

    A ameaça à saúde pública correlacionada ao crescimento da antimicrobiana (RAM) é impulsionada tanto pelo uso adequado como inadequado de medicamentos anti-infecciosos utilizados na saúde humana e animal, bem como na produção de alimentos e, ainda, com medidas inapropriadas para controlar a disseminação de infecções.

    Muitos pacientes em todo o mundo sofrem as consequências da RAM, pois as infecções já não se mostram muitas vezes suscetíveis aos medicamentos comumente utilizados para seu tratamento. Dados provenientes de todo o mundo confirmam que a RAM, incluindo a resistência a múltiplos agentes, tem aumentado para vários patógenos responsáveis por infecções adquiridas tanto em instituições de cuidados à saúde como na comunidade.

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    Muitos dos avanços médicos dos últimos anos, tais como a quimioterapia para o tratamento do câncer e transplante de órgãos, dependem da disponibilidade de medicamentos anti-infecciosos. As consequências previsíveis da resistência antimicrobiana são o aumento da morbidade, o prolongamento das doenças, o maior risco de complicações e o aumento da mortalidade.

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    O ônus econômico inclui a perda da produtividade (perda do rendimento, diminuição da produtividade do trabalhador, tempo gasto pela família) e o aumento dos implicados para o diagnóstico e tratamento (consultas, infraestrutura, rastreamento, custo de equipamentos, medicamentos).

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    Evolução da resistência bacteriana

    Desde o início da utilização clínica dos antibióticos tornou-se evidente que o nível de resistência bacteriana cresceu progressivamente, tendo aumentado acentuadamente nos últimos 15 anos. Considerando a evolução da resistência aos antibióticos, especificamente em relação às bactérias Gram-negativas, responsáveis por mais de 90% das infecções do trato urinário, verifica-se que o mais importante mecanismo de resistência aos antibióticos nestas bactérias é a produção das enzimas ß-lactamases.

    Relativamente à família das enterobacteriáceas, devemos nos lembrar que após a introdução da ampicilina na década de 1960, a resistência aos agentes ß-lactâmicos passou a se constituir importante problema clínico, devido à transferência por plasmídeos de genes de resistência codificando ß-lactamases.

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    Os plasmídeos contêm geralmente um ou dois fragmentos de material genético extra-cromossômico que conferem uma vantagem competitiva à bactéria que os abriga, como, por exemplo, a capacidade de se tornarem resistentes a antibióticos. A resistência advém da presença de pelo menos um gene que codifique uma enzima capaz de vir a neutralizar um determinado antibiótico.

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    A existência de plasmídeos com diversos genes de resistência a diferentes antibióticos constitui-se um expressivo problema no tratamento de doenças bacterianas: com a utilização generalizada de antibióticos, os plasmídeos evoluíram de forma a conferir multi-resistências aos seus hospedeiros bacterianos, tornando essas doenças de difícil ou mesmo impossível tratamento.

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    Muitos destes plasmídeos contêm, adicionalmente, “genes de transferência”, que codificam proteínas capazes de formar pili através dos quais as bactérias transferem plasmídeos entre si, contribuindo para a proliferação de cepas de bactérias multirresistentes, inclusive de bactérias de diferentes gêneros e espécies.

    Nos anos 80, após a introdução das cefalosporinas de terceira geração, foram rapidamente relatados o surgimento de plasmídeos contendo genes que codificavam formação de enzimas que destruíam esses antibióticos, que se disseminaram principalmente entre bactérias dos gêneros Klebsiella spp e Escherichia coli, o que marcou a emergência das cepas produtoras de ß-lactamases de espectro expandido (ESBL – «extended spectrum ß-lactamases»), que se caracterizam por serem capazes de hidrolisar cefalosporinas de terceira geração e monolactâmicos.

    Posteriormente, relatou-se o surgimento de uma nova família de ß-lactamases, designadas como enzimas «cefotaximases Munich» (CTX-M), que se disseminou por todos os continentes. Na última década foram evidenciadas alterações consideráveis nos tipos de ESBL com maior prevalência, passando a predominar as cepas produtoras de CTX-M.

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    Mais recentemente o aumento no uso de carbapenêmicos no tratamento de infecções por enterobacteriáceas multirresistentes tem levado ao aumento da disseminação da resistência a estes agentes1, que é mediada pela transferência de enzimas carbapenemases (que destroem os antibióticos carbapenêmicos), particularmente das famílias imipenemases (IMP) e «Verona integron-encoded metallo- ß lactamases» (VIM), através de plasmídeos.

    Resistência em infecções do trato urinário

    A evolução da resistência às quinolonas, extensamente empregadas no tratamento de infecções do trato urinário, complica ainda mais o cenário acima exposto. A resistência a esses antibióticos, que de início era mediada principalmente por alterações cromossômicas, passou também ao final da década 1990 e início desse século, a ser mediada por plasmídeos.

    Tais plasmídeos de resistência às quinolonas desenvolveram a capacidade de se agruparem no citoplasma das bactérias resistentes e se capacitaram de modo a reunirem em um único conjunto (denominado “cassete”) genes de resistência não somente correlacionados às quinolonas, mas também que se ajuntam os plasmídeos acima descritos mediadores de resistência aos beta-lactâmicos.

    O extensivo emprego de antibióticos da classe das quinolonas em medicina veterinária catalizou a disseminação desses plasmídeos, de tal forma que podemos assegurar que uma bactéria que desenvolve resistência à uma quinolona certamente desenvolverá, com o transcorrer do tempo, resistência progressiva aos antibióticos beta-lactâmicos.

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    Esse vínculo entre emprego indiscriminado de quinolonas e advento e disseminação de resistência bacteriana levou à determinação pela Organização Mundial da Saúde de recomendação quanto ao uso de quinolonas em medicina veterinária, pregando extrema cautela para sua indicação no tratamento de infecções humanas.

    Infecções do trato urinário (ITUs) representam um sério problema de saúde para os pacientes e um custo alto para a sociedade. ITUs são também a mais frequente infecção associada à assistência médica. O E. coli é o patógeno predominante em ITUs não complicadas, enquanto outras enterobactérias e enterococos são isolados com maior frequência em pacientes com doenças urológicas.

    O desenvolvimento atual de resistência bacteriana é alarmante e as taxas de resistência estão relacionadas aos antibióticos utilizados nos diferentes países. É preocupante o aumento da resistência para antibióticos de amplo espectro. Portanto, é essencial limitar o uso de antibióticos em geral, em particular as fluoroquinolonas e cefalosporinas, especialmente em infecções não complicadas e bacteriúria assintomática.

     

     

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