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Receituário eletrônico: a letra de médico mudou!

Uma crônica sobre transformações nos processos de cuidado entre médico e paciente - e sobre valores que não se alteram na medicina

Por Mauro Fisberg*
21 fev 2024, 08h00

Não importa mais se temos letras legíveis ou não, se temos letra feia ou não. Os receituários eletrônicos vieram para ficar, trazendo a possibilidade de envio de receitas a todos os pacientes, em todos os estados e sem risco de a sua letra não ser reconhecida ou entendida.

Agora eu envio as receitas diretamente ao WhatsApp, por mensagem de celular e e-mail ou entrego pessoalmente, com a fórmula genérica, com a dosagem explicitamente correta, e sem risco de não compreensão. Além disso, o receituário digital é assinado de forma reconhecida, com certificadoras. Portanto, um documento oficial do médico para prescrever exames e remédios, emitir relatórios e certificados.

O mundo digital tem as suas grandes vantagens, já que ainda posso em segundos explorar todos os produtos existentes, as combinações, as doses e suas marcas comerciais, verificando preços em tempo real. Os produtos genéricos são analisados por laboratório e podemos checar os diferentes valores, avaliando custo-benefício.

Lembro que há poucos anos eu ainda usava todo o meu prontuário em papel, com fichas gigantescas, envelopes grandes e pardos, assustadoramente monstruosos em sua dificuldade de armazenar. Fichas armazenadas na nuvem, no computador e acessíveis em qualquer momento, por telefone, tablets e computadores, são a nova realidade. As curvas de crescimento são armazenadas e interpretadas a cada consulta.

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Os dispositivos para cálculo nutricional permitem que estabeleçamos prognósticos, avaliemos o crescimento ao longo do tempo e possamos averiguar pequenas no comportamento de peso e altura, de forma a definir possíveis intervenções. Os gráficos gerados pelos programas ficam visíveis para o profissional, para os pais e para os avós de forma rápida e sem erros.

“O que está escrito aqui?!”

Mas por que será que o médico tem tradicionalmente uma letra feia e incompreensível? Generalizações à parte, existem várias teorias e nenhuma certeza.

Uma hipótese: pessoas que escolhem a área de Biológicas se dedicam menos tempo às disciplinas ditas Humanas, o que inclui seguramente menos aulas de português. Nos últimos anos, a obrigatoriedade da redação nas provas de vestibular trouxe uma tentativa de corrigir esse viés.

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Outra possível explicação é a de que nós, médicos, temos uma grande quantidade de conteúdos a serem lidos e memorizados e, ao optar por abreviaturas e garranchos, ganhamos velocidade. Isso não se sustenta em absoluto pois, desse modo, advogados também teriam letras garranchadas.

Provavelmente essa é uma escolha ou uma condição mantida de geração em geração. Com medo de serem copiados ou falsificados, os médicos faziam letras de difícil replicação. E, com isso, garantiam uma pseudo-assinatura individual. Cada médico tinha a sua letra especifica e de cópia complexa…

Coitado do farmacêutico, que não entendia nada e sofria para aviar a receita. Frequentemente, os profissionais das drogarias tinham que entrar em contato com o médico para tentar compreender a prescrição. Imagine um problema desses  afetando a administração de um produto dentro de uma UTI. Pode haver um erro astronômico, um caos generalizado. Pobre paciente!

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Antes que algumas pessoas e classes briguem comigo, dizendo que isso não é verdade, que todos checam minuciosamente as receitas, não prescrevem quando existem dúvidas, e outras ditas verdades repetidas mil vezes, eu digo que SIM, existem erros, inclusive por esses motivos.

Em um trabalho publicado há muitos anos, foi estabelecida uma cadeia de problemas de entendimento na prescrição de médicos e residentes em um hospital público e universitário. Verificou-se a existência de falhas desde a história clínica à orientação que era passada ao paciente. Avaliava-se o grau de entendimento deste em relação ao que o profissional havia dito. Menos de 10% do que era comunicado era compreendido pelo paciente.

Bem, havia a receita e a orientação escrita. Infelizmente não se entendia quase nada do que estava lá e a receita nem sempre era completa. Assim, havia menos tempo de utilização de antibióticos ou produtos de uso contínuo, erros na forma de administrar, falhas incríveis na preparação do produto e até na compra dos remédios.

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Na pediatria, diluíam-se de forma equivocada produtos em pó. Fórmulas eram concentradas para maior efeito ou diluídas para durar mais tempo. Ninguém acredita no que está escrito no rótulo? Será que as pessoas estão lendo e compreendendo o rótulo e a bula? Sobre a receita com a letra complicada, difícil dizer…

Nem tudo se resolve com a prescrição digital, mas conseguimos evitar muuuitos dos erros na prescrição e orientação. E tudo começa com o meu próprio corretor digital, que já me alertou dos inúmeros erros de digitação que fiz neste próprio texto. E, continuando o exemplo deste artigo, passará pelo meu editor físico, que irá ler e reler e ainda suavemente me dar bronca caso a linguagem não esteja clara para o leitor. Ele seguramente mudará o título para ser mais palatável e cortará um ou outro paragrafo para uma leitura mais fácil.

E, aí, perguntaremos: então a letra de médico desaparecerá, trocada por uma fonte Time, Colibri, New Arial ou qualquer outro tipo de fonte presente nos processadores de texto no celular ou computador?

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Eu digo que não. A letra de médico, cursiva ou digital, guarda a mensagem de que é nossa responsabilidade levar informação correta, baseada em evidências, sem charlatanismo, e que ela seja digerível, entendida e adequadamente utilizada.

Um grande abraço e até a próxima! (Espero que vocês tenham entendido minha letra ou melhor, minha mensagem).

* Mauro Fisberg é pediatra e nutrólogo, professor da Unifesp e coordenador do CENDA – Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi/ Sabará Hospital Infantil, em São Paulo

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