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Os grandes progressos no tratamento do câncer

Além das terapias, também houve mudança na postura médica no tratamento do câncer. Agora, a estratégia é definida por uma equipe multidisciplinar

Por Luiz Paulo Kowalski
Atualizado em 13 jul 2017, 12h05 - Publicado em 13 jul 2017, 12h05
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  • Há meio século, os pacientes com diagnóstico de câncer eram tratados com as poucas armas disponíveis: cirurgia, radioterapia ou quimioterapia. Geralmente, a decisão sobre os tratamentos propostos eram tomadas pelo médico e estavam focados no melhor resultado esperado em termos de chance de sobrevida, independentemente de qualquer outra consequência.

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    As autoridades médicas eram poderosas por terem o conhecimento de uma literatura inacessível a outros médicos e impossível de ser acessada ou compreendida por pacientes. Eles utilizavam ainda o argumento da experiência pessoal para justificar as decisões. O paciente e a família, na maioria dos casos, aceitava esta autoridade sem questionar. Não havia como questionar.

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    Mas, na verdade, pouco se conhecia sobre a biologia da doença, pouco se podia oferecer para a maioria dos pacientes. Apenas um em cada três casos de câncer eram curados. Era um tempo em que se usava da experiência de cada um ou de cada instituição e da cega confiança e esperança dos pacientes.

    Os progressos no tratamento

    Nos anos 1960 até 1990 registraram-se inúmeros progressos com novas técnicas cirúrgicas, com destaque para as cirurgias oncológicas regradas baseadas em conhecimento da disseminação tumoral. Os cirurgiões dessa época avançaram muito nas reconstruções, possibilitando uma sobrevida com menor morbidade. Também na radioterapia houve ganhos com novos equipamentos, mais precisos e capazes de tratar melhor, produzindo menos sequelas. Na quimioterapia algumas drogas novas surgiram e elas foram combinadas trazendo maior eficácia aos tratamentos.

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    Comparação entre tratamentos

    O maior salto, no entanto, foi o fato de que os resultados de diferentes tratamentos passaram a ser comparados e questionados. Velhos dogmas foram quebrados. Agora, as decisões terapêuticas passaram a ter mais base científica e os médicos a discutir casos entre especialidades. Mas ainda havia muita rivalidade. Nessa época ocorreram melhoras significativas dos resultados, um em cada dois pacientes eram curados. No entanto, por vezes, a ciência era atropelada pela arrogância. Foi a época do início da colaboração entre especialidades para maximizar os efeitos terapêuticos e minimizar as sequelas do tratamento.

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    Progressos extraordinários

    A partir dos anos 1990 os progressos foram extraordinários. Cirurgiões tornaram-se cada vez mais especializados e passaram a usar novos instrumentos como a endoscopia, a cirurgia videoassistida e, mais recentemente, a robótica. Refinaram-se as técnicas de reconstrução. A radioterapia progrediu de forma exponencial. Agora, radioterapeutas não poderiam mais continuar a ser generalistas. Eles também se dividiram em subespecialidades. A oncologia clínica mudou drasticamente pelo aparecimento de novas drogas, novas combinações e, mais recentemente, com as drogas-alvo e imunomoduladoras.

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    Ninguém mais consegue entender tudo. Houve uma pulverização em subáreas dentro da especialidade. Agora não há como exercer a oncologia sem especialização fina, sem cooperação entre especialistas.

    Maior precisão

    Pacientes oncológicos atuais recebem o benefício de diagnóstico e estadiamento mais precisos, terapêuticas mais baseadas na história natural da doença e em resultados de estudos criteriosos. Não há mais campo para o médico individual decidir o tratamento. São equipes multiprofissionais, lideradas por um ou outro de seus participantes que coordena o tratamento.

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    No entanto, por vezes, mesmo com todo o conhecimento acumulado existem divergências quanto a determinadas condutas. Uma segunda opinião, de equipes mais especializadas e experientes pode ser necessária. Aqui sempre fica um dilema. O paciente e a família, ansiosos pelo melhor, podem buscar ajuda de quem prometa resultados mágicos, aqueles que são mais agradáveis de serem ouvidos. No entanto, o preço da cura pode ser um período difícil e doloroso. Os atalhos podem custar a vida.

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    Hoje curamos dois de cada três pacientes. Eles participam da decisão porque agora têm acesso irrestrito a informações e elas são, de modo geral, compreensíveis. Eles têm oportunidade de questionar suas equipes médicas. E as equipes estão cada vez mais preparadas para discutir opções, rever rumos, adotar novas alternativas. O tratamento não é mais dogmático. Surgem novidades com muita frequência. Os médicos precisam ter a agilidade – mas também a necessária parcimônia – em adotar novos procedimentos.

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    Estamos agora mergulhados em um mar de informações. Como lidar com isso tudo?

    Em primeiro lugar, se as equipes médicas não tirarem benefício dos progressos científicos, elas não estarão oferecendo a seus pacientes tudo aquilo que pode ser usado, diminuindo suas chances de cura. Em pouco tempo, estas equipes cairão em descrédito e sofrerão pesadas críticas pelo anacronismo das decisões tomadas. Para utilizar as melhores evidências científicas, não basta ler os últimos artigos. É necessário saber medir a qualidade da informação. É preciso ler com espírito crítico, mas com a mente aberta para absorver novos conceitos.

    Em segundo lugar, existem classificações que auxiliam na tomada de decisões de acordo o “nível de evidência”. De um modo geral, meta-análises (um compilado de estudos randomizados), estudos controlados com casos e controles submetidos a diferentes tratamentos (os chamados estudos randomizados) são considerados os mais poderosos.

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    No entanto, não existem tais estudos para responderem a todas as perguntas do dia-a-dia dos médicos e de seus pacientes. Por exemplo: podem existir informações de que determinado tratamento é melhor que outro em vários estudos. Nesse caso, pouco questionamento existe sobre a validade de indicar o tratamento identificado como mais eficiente.

    Por outro lado, ele pode não ter sido testado em pacientes idosos, excluídos dos estudos originais. Como o médico poderá tratar pacientes reais desta faixa etária? Pode extrapolar os resultados daqueles estudos e aplicar nesse grupo específico de pacientes? Certamente, não existindo a melhor evidência científica, a equipe médica deverá adotar condutas baseadas em outras fontes e até mesmo na experiência para tomar decisões dessa complexidade.

    Em terceiro lugar as evidências têm sido utilizadas para construção de diretrizes (guidelines) de diagnóstico e tratamento. São ferramentas úteis que facilitam as atividades médicas no dia-a-dia. Elas oferecem um guia para a prática, mas não podem ser tomadas como inquestionáveis ou imutáveis. Elas ajudam a melhorar a assistência à população, mais pelas contraindicações a tratamentos não comprovados do que pela indicação precisa. Elas não substituem o juízo clínico apurado na responsabilidade pela tomada de decisões complexas em pacientes individuais.

    Em quarto lugar, outro contexto a ser lembrado é aquele relacionado a disponibilidade dos meios. Em países como o Brasil, as realidades locais podem ser muito distintas. Por exemplo, o melhor meio para diagnóstico de metástase de determinado tumor pode ser um PET-CT. Mas o equipamento mais próximo pode estar a milhares de quilômetros. Ou o melhor tratamento exige um equipamento como a Próton terapia, indisponível no país.

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    As equipes médicas terão que julgar se estas tecnologias trariam um benefício tão marcante para pacientes específicos que justificariam uma custosa transferência para outros locais. Na maioria dos casos, o impacto é limitado e o melhor a fazer é utilizar o melhor recurso local disponível para benefício dos pacientes.

    Conhecimento foi o grande diferencial

    Lamento dizer, mas a medicina baseada em evidência não é atual. Sempre se utilizou a melhor evidência disponível para a tomada de decisões. O que mudou é o volume de conhecimento que norteia a prática. Isto fez com que o fato de ser, outrora, uma prática individual do médico (que podia até saber muito, mas não tudo, o que se conhecia sobre um dado assunto), para uma prática atual de equipes médicas especializadas (onde cada um sabe muito, mas não tudo, o que se conhece sobre cada fragmento do assunto). O entendimento da complexa literatura atual requer a participação de muitos especialistas e uma reflexão profunda e orquestrada quanto a hierarquização das evidências para que haja uma parcimoniosa aplicação prática do conhecimento.

    Ao tratar de um paciente individual, onde qualquer equívoco para menos ou para mais no diagnóstico ou no tratamento pode custar a vida, todos os dados precisam ser considerados, revistos e confirmados antes do início da jornada de um tratamento oncológico. Este é um exercício de coordenação de trabalho em equipes compostas por seres humanos que tratam de outros seres humanos buscando o máximo benefício com o menor risco possível.

    As certezas e intransigências do passado deram lugar a uma nova postura médica, onde a observação cuidadosa – e em tempo real – da evolução dos pacientes e a abertura para a consideração de críticas construtivas permitem rever planos de tratamento, incorporando condutas que possam beneficiar os pacientes. Uma postura de colaboração e humildade na prática médica evidencia todos os dias que há sempre o que aprender e melhorar.

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