As crianças têm maior chance de apresentar problemas na alimentação quando são filhos de pais permissivos ou não envolvidos (também chamados de terceirizadores) à mesa. A forma de comportamento dos pais em reação às queixas e demandas dos filhos é abordada pela psicologia há muitos anos, dentro de um campo chamado “estilos parentais”.
Um trabalho de nossa colega, Sheril Hughes, professora do Bailey College, no Texas (EUA), trouxe essa abordagem para os problemas alimentares e adaptamos seu método para utilizá-lo no Brasil.
Os estilos parentais são normalmente divididos em quatro grupos: os pais autoritativos (ou que têm um comportamento adequado para as demandas e exigências dos filhos), os pais controladores ou autoritários (que controlam todo o tipo de oferta e são bastante enfáticos em determinar o que a criança pode e deve comer), os pais permissivos (que permitem todo e qualquer comportamento da criança) e os pais não envolvidos, também traduzidos como negligentes ou, mais corretamente, terceirizadores.
Os pais autoritários representam o mais frequente em toda a história: bastava um olhar, um levantar de voz ou a ameaça de um castigo (até mesmo físico) para que as crianças respeitassem sua ordem, no caso, comer. Como resposta a esse comportamento, tem havido um maior número de pais permissivos.
Os pais não envolvidos, por sua vez, são aqueles que não têm interesse no planejamento e na maneira como as crianças se alimentam. E, dentro dessa classe de terceirizadores, ainda os dividimos em não responsáveis e os ajustados, aqueles que precisam deixar seus filhos aos cuidados de babás, parentes, cuidadores ou escola, ainda que estejam cientes de sua responsabilidade pelo sistema de alimentação da criança.
Embora a maioria das pesquisas relacionadas a problemas alimentares e parentalidade não abordem diretamente essa questão, é possível inferir informações com base em dados relacionados à nutrição infantil e à relação entre cuidadores e crianças.
Os pais permissivos são aqueles que têm uma abordagem mais relaxada em relação a regras e limites, permitindo que seus filhos não tenham limites e horários. Determinam, deliberadamente ou não, que são as crianças que mandam dentro da casa.
Os pais negligentes ou não envolvidos são aqueles que não dão a devida atenção às necessidades e aos cuidados de seus filhos. Este tipo de relação com as crianças determina uma maior chance de escolhas alimentares ruins e maior risco de baixo peso ou excesso de peso.
+ LEIA TAMBÉM: Seu filho come mal? As principais dificuldades alimentares na infância
Sabemos que uma nutrição adequada na infância é fundamental para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Entretanto, quando os pais são permissivos ou negligentes em relação à alimentação de seus filhos, podem surgir problemas, como:
1. Hábitos alimentares inadequados, com escolhas pouco saudáveis. Exemplo: consumir alimentos ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, em detrimento de uma dieta equilibrada e nutritiva. Padrão que pode persistir por toda a vida e contribuir para obesidade, diabetes e doenças cardíacas.
2. Menor diversidade de alimentos: a falta de um rodízio e de uma oferta adequada de alimentos para as crianças pode levar a irregularidades nas refeições e lanches, prejudicando a capacidade de o pequeno reconhecer sinais de fome e saciedade, comer demais ou recusar determinados alimentos, criando comportamentos desregulados à mesa.
3. Falta de supervisão: sem a atenção suficiente dos pais aos lanches e às refeições das crianças, pode-se abrir caminho a exageros, preferência por alimentos pouco saudáveis e carência de nutrientes importantes.
4. Falta de orientação adequada: pais permissivos ou não envolvidos deixam de fornecer instruções sobre a relevância da alimentação saudável, não ensinam habilidades básicas nesse contexto e não promovem um ambiente alimentar positivo.
Estudos de nosso grupo multidisciplinar no CENDA (Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares) do Instituto PENSI, no Sabará Hospital Infantil, mostram que o estilo de comportamento e reação as atitudes na alimentação das crianças têm relação com o tipo de diagnóstico da dificuldade alimentar, com maior frequência de seletividade, pouco apetite e ganho de peso.
Somado a isso, um grau intenso de ansiedade é determinado por todos os tipos de dificuldades alimentares. Os pais, cuidadores, escolas e todos os grupos que têm contato com a criança podem ter comportamentos muito reativos ao não comer, enquanto a criança propriamente dita, pelo menos no início, não tem qualquer problema relacionado ao baixo apetite.
Um diálogo muito intenso com os pais pode ajudar a esclarecer e a moldar o comportamento diante das refeições, impactando o relacionamento com a criança e permitindo um maior conforto no dia a dia das famílias. De forma indireta, o comportamento dos pais influi de modo intenso no comportamento de toda a família. Nesse sentido, precisamos ouvir mais os responsáveis para entendê-los melhor e poder ajudá-los.
* Mauro Fisberg é pediatra e nutrólogo, coordenador do CENDA – Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares, do Instituto PENSI, e professor do Departamento de Pediatria da Unifesp