Depois de demonstrar-se efetiva para a perda de peso e o controle da gordura no fígado, a tirzepatida, droga recém-aprovada no Brasil para diabetes tipo 2 e que aguarda lançamento no país, revela-se uma aliada no controle de uma condição bastante prevalente, a apneia do sono.
No estudo SURMOUNT-OSA, recém-apresentado no Congresso Americano de Diabetes, a medicação de nome comercial Mounjaro, desenvolvida pela farmacêutica Eli Lilly, foi avaliada entre pessoas com obesidade (IMC maior do que 30) que tinham síndrome da apneia obstrutiva do sono de grau moderado a grave, distúrbio marcado por roncos e interrupções temporárias na respiração durante o sono.
Os participantes receberam a injeção semanal subcutânea de tirzepatida e foram monitorados quanto aos parâmetros respiratórios durante o repouso noturno e aos parâmetros cardiovasculares. Nos EUA e na Europa, a droga já é liberada para uso específico em pacientes com obesidade.
Pessoas com apneia possuem várias paradas respiratórias enquanto dormem. Isso faz com que o sono se torne pouco reparador, acarretando déficits de memória e de concentração, sonolência diurna, irritabilidade e baixo rendimento. Além do cansaço, a condição está associada a maior risco de pressão alta e doenças cardiovasculares.
Estudos epidemiológicos apontam que cerca de 40% das pessoas com obesidade possuem algum grau de apneia. É muita gente!
O tratamento para formas moderadas a graves de apneia geralmente é um aparelho acoplado a uma máscara que emite ar com pressão positiva durante o sono, o CPAP. A pressão positiva evita que ocorra o “fechamento” das vias aéreas e, por conseguinte, reduz os episódios de parada respiratória.
O estilo de vida saudável associado à redução do peso corporal é outro pilar do tratamento. E é nesse aspecto que entra a tirzepatida, o medicamento que, até agora, é o que maior impacto teve na diminuição do peso entre pessoas com obesidade.
No estudo recém-apresentado, foram incluídas 469 pessoas com idade média de 49 anos, sendo 30% mulheres. O peso médio era de 115 Kg, IMC de 38 e circunferência média do pescoço de 44 cm. Nessa população, grande parte apresentava comorbidades: 83% tinham anormalidades no colesterol e triglicérides, 76% apresentavam hipertensão e 62%, pré-diabetes.
Em média, os participantes apresentavam 50 episódios de parada respiratória total ou parcial por hora no início do acompanhamento. Vale destacar que o índice acima de 30 episódios por hora já é considerado apneia grave. Essa graduação é feita por meio do exame de polissonografia, em que o paciente dorme monitorizado quanto às atividades cerebrais, pulmonares, cardiovasculares e até mesmo movimentação do corpo.
O estudo dividiu os pacientes em dois grupos. O grupo A envolvia participantes que não estavam em tratamento com CPAP (por não tolerar a máscara ou ainda não ter iniciado o uso) e o grupo B envolvia aqueles que já estavam em tratamento com CPAP. Metade dos participantes utilizou tirzepatida semanal subcutânea na maior dose tolerada e a outra metade utilizou placebo – injeção sem princípio ativo.
Ao logo de um ano, participantes dos grupos A e B apresentaram redução de 18 e 20% do peso, respectivamente. Além disso, a redução média da pressão arterial sistólica foi de 9,6 milímetros de mercúrio no grupo A e 7,6 milímetros no grupo B. No grupo placebo, a perda média de peso foi de 1 a 2% ao longo de um ano.
Quantos aos episódios de apneia do sono, o número de situações de paradas respiratórias se reduziu de 50 para cerca de 20 por hora no braço tratado com o remédio. No grupo placebo, o número se limitou a 45 por hora.
O trabalho é um marco, pois é a prova de conceito de que o controle intensivo e sustentado do peso é capaz de reduzir fatores de risco cardiovasculares e condições que abalam a qualidade de vida como a apneia do sono.
Infelizmente, muitos pacientes no dia a dia de consultório não toleram a máscara de CPAP ou não conseguem fazer seu uso diariamente por longos períodos. Também sofrem para perder peso. É aí que medicações como a tirzepatida mostram seu valor – agora com aval da ciência.
Os dados divulgados se somam aos demais estudos em pessoas com obesidade e com diabetes tipo 2 que mostram melhora importante desses quadros e do risco cardiovascular com o uso correto do medicamento. Agora, até a apneia do sono está na mira.
* Carlos Eduardo Barra Couri é endocrinologista, pesquisador da USP de Ribeirão Preto, curador do Endodebate e colunista de VEJA SAÚDE