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Memórias afetivas com a comida: as lembranças despertadas por um tomate

Em uma crônica sensível, médico reflete sobre como a comida pode nos remeter a uma série de episódios que marcaram nossa história

Por Mauro Fisberg*
13 set 2024, 15h28
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    Memórias afetivas: sabores e experiências ficam registrados no cérebro (Thinkstock/VEJA/VEJA)

    Eu estava na cozinha preparando um almoço simples, já que minha esposa havia saído e deixado algumas instruções. Cortei um tomate e, de repente, uma epifania! O cheiro do tomate desencadeou uma série de memórias de um passado não muito recente.

    Quando éramos crianças e adolescentes, fazíamos grandes passeios de bicicleta. Eu e meus amigos pedalávamos para lugares longínquos em São Paulo (pelo menos eles pareciam naquela época). Íamos de Pinheiros ao Jardim Botânico ou ao Zoológico. Ou então para o Ibirapuera ou o Butantã. Muitos quilômetros para bicicletas pequenas e sem marcha, mas nossos pés e coxas eram jovens e davam conta.

    A hora da comida provavelmente era o mais esperado momento do passeio, e abríamos nossos farnéis (sacos plásticos, dos de supermercado) de sanduíches de pão de fôrma, presunto e queijo, sucos em garrafas. Ovos duros que quebrávamos nas cabeças uns dos outros, frango assado frio e o indefectível tomate inteiro. O famoso tomate que comíamos de uma vez, colocando um pouco de sal – e o suco se derramava na boca.

    Ok, pode ser que não tinha cheiro o tomate. Mas o sabor era sempre o mesmo, confiável, maduro e que nos dava a sensação de liberdade… De que podíamos fazer o que queríamos. O que comíamos era simples, brega e desejado.

    Memórias afetivas são momentos que nos despertaram prazer e que seguem parte de nossa vida, guardadas em algum canto do cérebro. Até que tenhamos a mesma experiencia ou passemos a contar os causos a nossos filhos, netos e alunos.

    O interessante é que as memórias afetivas relacionadas a comidas quase sempre são por alimentos simples, como um tomate, um pedaço de bolo da avó, o feijão temperado pela empregada da casa, o bife que minha mãe fritava, porque eu não comia muito mais do que isso.

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    Memórias que não são normalmente de alimentos que gostamos, e sim de experiências agradáveis (na maior parte das vezes) ou desagradáveis. Não são relacionadas ao chocolate, ao refrigerante, à coxinha da cantina escolar… Ou ao cachorro-quente (com tudo a que se tem direito), que comíamos na saída da escola, após uma longa fila.

    Creio que inúmeras mães gritavam que, se não almoçássemos bem depois daquele hot-dog, ia ter… O que ia ter era apenas imaginação – talvez uma surra se alguém contasse o episódio para o pai de noite?

    Tudo politicamente incorreto, diriam vocês. Sim, eram outros tempos. Tempos em que comíamos em casa todos juntos pelo menos no jantar. Tempos em que a disciplina era natural, mesmo que o meu pai levantasse a cabeça a alguma má criação relatada. Tempos em que eu corria ao redor da mesa fugindo de minha mãe, que nunca conseguia me alcançar, por algo que eu tivesse feito.

    A comida tinha cheiro, tinha temperatura e tinha sabor. Boa ou ruim, a impressão é que me parecia melhor do que hoje. O sorvete que eu tomava no intervalo do jogo do Santos no Pacaembu era mais gostoso do que o mesmo de hoje, mesmo tomando a mesma marca. Os churros que comíamos da barraquinha portuguesa era mais quente e mais doce do que o servido de sobremesa nas churrascarias agora.

    Meus amigos italianos juram que a massa do domingo era muito melhor que a comprada hoje nas melhores rotisseries. E eu lembro de minha avó esticando massa com as mãos e os rolos ameaçadores, para a sopa que seria servida na sexta, dia de jantar com a família e comemorar o Shabat que se aproximava.

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    Memórias afetivas das comidas, memórias da família, dos dias de mais disciplina e maior liberdade. Éramos mais limitados e muito mais livres, de uma forma mais responsável. Não éramos melhores do que os que vivem a infância hoje, mas posso garantir que era diferente. O aparelho telefônico estava na parede ou sobre uma mesinha, com um longo fio, e não tinha imagens. Mas servia para falarmos, trocar notícias e carinhos, para o amor e para os sustos.

    O que ficam são memórias… Parodiando a banda The Mamas and The Papas (um conjunto dinossáurico, dirão alguns), “this is dedicated to the one I love”… Sim, essa crônica é dedicada àqueles que amo.

    * Mauro Fisberg é pediatra e nutrólogo, professor da Unifesp e coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares -CENDA, do Instituto PENSI/ Sabará Hospital Infantil

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