Mesmo considerando as políticas públicas tomadas para desestimular o tabagismo – proibição de publicidade e de fumar em ambientes fechados, além de alertas sobre os malefícios nas embalagens –, o tabaco ainda é uma realidade para 20% dos brasileiros que vivem no estado de São Paulo.
Outros 22% são fumantes passivos, aqueles obrigados a conviver com a fumaça. Os dados são de um estudo da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) junto a 2.236 pessoas jovens, adultas e idosas nas cidades de Araçatuba, Araraquara, Bauru, Osasco, Ribeirão Preto, São Carlos, São José do Rio Preto, Sorocaba, Vale do Paraíba e na capital paulista.
Os resultados contrariam os números oficiais, que identificaram queda no total de tabagistas maiores de 18 anos a partir de 2003, quando o percentual apresentado foi de 22,4%, caindo para 18,5% em 2008. Em 2019, a Pesquisa Nacional da Saúde (PNS) apontava que apenas 12,6% dos adultos brasileiros fumavam. A contradição também alcança as pessoas expostas ao tabaco: 16,3% dos maiores de 18 anos seriam fumantes passivos.
A lacuna entre o levantamento da Socesp e as pesquisas do governo pode ser justificada pelo uso progressivo do cigarro eletrônico ou vape, como também é chamado o dispositivo, e o fato de ele não ter sido considerado nas estatísticas oficiais.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) alerta que, atualmente, pesquisadores devem incluir perguntas sobre outros tipos de tabagismo, como eletrônicos e narguilé, nos inquéritos de saúde. O método foi utilizado no inquérito telefônico Covitel 2022, que apurou que 7,3% dos entrevistados usam o vape e outros 7,3% fumam narguilé.
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O consumo dos eletrônicos apresentou um aumento significativo nos últimos anos no mundo. Um dado recente do IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria concluiu que 6 milhões de fumantes brasileiros já experimentaram o vape. E este consumo acontece em um cenário de transgressão, uma vez que o dispositivo está entre os produtos proibidos no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009.
O cigarro eletrônico é defendido como mais seguro para a saúde e o risco de dependência é ignorado. O mais grave é que fumantes de cigarro convencional migram para o eletrônico acreditando no bônus da substituição. O narguilé, por sua vez, é confundido com uma recreação sem maiores consequências.
Mas nada disso é verdade: os vapes podem viciar em menos tempo que o cigarro comum e, de acordo com a OMS, uma hora de uso do narguilé equivale a tragar 100 cigarros.
Nunca é demais lembrar que o tabagismo de qualquer origem favorece o aparecimento de doenças sistêmicas, como as cardiovasculares, que podem levar à morte. Mas a lista de problemas de saúde provocados pelo tabaco é extensa, incluindo câncer de vários tipos.
Cigarro eletrônico não é brinquedo. Os vapes tendem a seduzir os mais jovens – e até crianças – por serem aclamados em redes sociais e estarem cada vez mais presente nas rodas de amigos. Alguns modelos, inclusive, são saborizados, passando a ideia de algo inofensivo.
Além disso, muitos jovens estão submetidos ao fumo dentro de casa. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE), na residência de 26,2% dos alunos pelo menos um dos pais ou responsável fuma. Somadas estas situações temos duas frentes a serem combatidas.
O artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza “o direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (…)”.
Se deixarmos o tabaco participar desse desenvolvimento, estaremos infringindo a lei e desperdiçando todo o trabalho de conscientização e os ganhos até aqui, enquanto uma nova geração de fumantes e de pessoas impactadas pelo tabagismo alheio vai se consolidando.
* Jaqueline Scholz é cardiologista, especialista em tratamento do tabagismo, médica do InCor-FMUSP e assessora científica da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo