Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês

Letra de Médico

Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Orientações médicas e textos de saúde assinados por profissionais de primeira linha do Brasil
Continua após publicidade

Eletrochoque: mentiras e verdades que você precisa saber

A eletroconvulsoterapia é o tratamento biológico mais eficaz contra depressão resistente, com reconhecida segurança. Mas seu seu uso permanece restrito

Por José Alexandre Crippa
22 ago 2017, 13h31
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A eletroconvulsoterapia (ECT), antigamente conhecida como eletrochoque, é um tratamento clínico psiquiátrico que envolve a indução de uma crise convulsiva por meio de uma corrente elétrica. Embora outras formas de produção de convulsão tenham sido usadas no passado, em 1938 os neuropsiquiatras italianos Ugo Cerletti e Lucio Bini consolidaram a ideia de usar a eletricidade para estimular uma convulsão no tratamento de condições psiquiátricas.

    Publicidade

    A ECT foi usada inicialmente em quadros graves de esquizofrenia, sendo que mais tarde se mostrou extremamente útil no tratamento de transtornos afetivos, em especial na depressão. Porém, apesar de ser o tratamento biológico mais eficaz no tratamento da depressão, limitado ao uso em casos refratários aos medicamentos, com reconhecida segurança (ver abaixo), o seu uso na psiquiatria moderna permanece relativamente restrito, por diversas causas. A maioria pouco nobres.

    Publicidade

    Eletroconvulsoterapia e arte: baseado em fatos reais ou obra de ficção?

    No imaginário popular, ECT é classicamente associada a tortura, dor e como uma forma desumana de castigo e punição. Esta perspectiva, em grande parte, foi moldada ao longo dos anos por meio de filmes, que provavelmente ajudaram a formar as opiniões de milhões de espectadores em relação a este procedimento.

    Um recente artigo que revisou as cenas de ECT apresentadas em filmes e séries de TV desde 1948, concluiu que este procedimento é quase que unicamente retratado como uma metáfora para repressão, controle da mente e do comportamento e sem nenhum benefício terapêutico.

    Publicidade

    Como Edward Shorter proferiu: “a ECT se presta a uma belíssima dramatização cinematográfica”. De fato, se o personagem R.P. McMurphy de Um Estranho no Ninho (Miloš Forman, One Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975) não tivesse recebido a ECT apresentada daquela forma – desumana, abusiva e sem anestesia – talvez Jack Nicholson não recebesse o Oscar de melhor ator e o filme não teria o mesmo sucesso. O impacto da cena retratada obviamente só aprofundou o estigma associado a ECT.

    Continua após a publicidade

    Diferentemente do apresentado neste e em outros filmes, o uso da moderna ECT envolve:

    Publicidade

    O tratamento pode ocorrer em um hospital ou instituição psiquiátrica em regime de internação integral ou ainda em nível ambulatorial, dependendo da gravidade. É necessário o consentimento por escrito do paciente (eventualmente também dos familiares) para a sua realização. Envolve de duas a três sessões semanais (em um total de seis a 12), ao longo de duas a quatro semanas.

    O principal efeito adverso que pode ocorrer durante o período de tratamento da ECT, é o prejuízo da memória, eventualmente com duração de alguns meses em alguns poucos pacientes. Por este motivo, a ECT é reservada como última opção, particularmente em pacientes com “depressão resistentes ao tratamento” ou em casos mais graves com sintomas psicóticos e/ou ideação suicida.

    Publicidade

    Entretanto, diferentemente do que se imagina, a ECT não causa nenhum dano cerebral, não “queima neurônio” e, na verdade, pode prevenir alterações no funcionamento e estrutura do cérebro sabidamente causadas pelo curso crônico da depressão.

    Continua após a publicidade

    O que você prefere: tomar um eletrochoque ou uma aspirina?

    Ainda em termos de segurança, a ECT apresenta risco de mortalidade muitíssimo baixo (entre uma e quatro mortes por 100.000 tratamentos), ou seja, o mesmo risco de se submeter a anestesia. Para fins de comparação, a literatura demonstra que tomar uma aspirina por dia para prevenir doenças cardiovasculares representa um risco de 10,4 mortes por 100.000 ao ano em homens de meia idade. Ou seja, o uso crônico deste analgésico, é quase tão perigoso, embora muitíssimo baixo, quanto dirigir um carro ou trabalhar como bombeiro.

    Publicidade

    Também cabe lembrar que a taxa de suicídio no Brasil é maior que o risco da ECT, de seis por 100.000 habitantes (entre pacientes com depressão, obviamente esta taxa é ainda mais elevada). Então, acredite, a ECT atualmente é um procedimento muito seguro.

    O eletrochoque é o método mais eficaz de tratamento da depressão e salva vidas

    A Organização Mundial de Saúde classifica a depressão entre as doenças mais debilitantes para a sociedade, com redução na qualidade de vida e enormes custos individuais e sociais. De modo particular para o subgrupo de pacientes com “depressão resistente ao tratamento” (aqueles que deveriam receber a ECT), os efeitos são ainda mais graves, com perda da qualidade de vida, incapacidade para o trabalho, presença de comorbidades clínicas e psiquiátrica e o aspecto mais assustador, – taxas muito maiores de suicídio.

    Mais do que 80% dos pacientes com depressão remitem completamente do quadro com o uso da ECT (nenhum medicamento ou psicoterapia chega nem perto disto). Entretanto, o que mais impressiona é que a ECT melhora até 60% dos pacientes que NÃO responderam ao uso de vários medicamentos (combinados ou isoladamente) ou a psicoterapia.

    Continua após a publicidade

    Dessa forma, considerando que a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil é de cerca de 17% (ou 35 milhões de pessoas) e que 30% desses casos não respondem a quatro ou mais tentativas farmacológicas adequadas, teríamos o gigantesco número de 10,5 milhões de pacientes que necessitariam fazer ECT.

    Assim, mesmo usando taxas conservadoras, considerando a resposta nesta população (60%), cerca de 6 milhões de pessoas com depressão crônica, grave e debilitante – taxas compatíveis com as relatadas mundialmente – poderiam estar vivendo uma vida próxima ao normal com o uso do ECT.

    O eletrochoque, ideologia e as políticas de saúde pública no Brasil

    Hoje já é consenso que a assistência não pode ser centrada nos antigos manicômios. Porém é imprescindível termos à disposição modernos e adequados tratamentos psiquiátricos. Assim, em termos de política de saúde pública poderíamos imaginar que o procedimento mais eficaz no tratamento de uma das doenças mais prevalentes e impactantes como a depressão deveria ser prioritária, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não, aqui o que ocorre é justamente o contrário.

    A psiquiatria vigente no SUS tem uma forte influência do auto-denominado “Movimento da Luta Anti-manicomial” (inspirado no movimento italiano La Lotta Antimanicomiale), também com viés ideológico e que nega a psiquiatria de modo geral. A Lei Paulo Delgado (2001/10.216) consolidou o redirecionamento de recursos do SUS e neste contexto, não remunera os hospitais pela realização da ECT. E vai além….para pior! As regras do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH) premiam os serviços psiquiátricos que NÃO realizam a ECT. Ou seja, os serviços que fazem este procedimento no SUS, além de não serem remunerados, são penalizados. Uma distorção!

    Continua após a publicidade

    Qual o impacto desta política pública vigente sobre o uso da ECT no Brasil?

    Basicamente, a disponibilidade desta moderna terapêutica é nula fora de grandes metrópoles ou centros universitários mais especializados. Mais da metade dos estados do Brasil não possui serviços de ECT, seja privado ou público. Assim, o resultado desta política é que milhões de pessoas que teriam a chance de estar bem, estão desassistidas e não tem acesso ao tratamento mais eficaz. Isto é especialmente mais impactante para os mais pobres, cujo acesso a informação ao sistema de saúde é limitado e não possuem recursos financeiros para obter um tratamento de ECT privado.

    O modelo de assistência psiquiátrica deveria estar distante de vieses ideológicos, do corporativismo e de discursos obtusos, genéricos, sem respaldo científico e bem longe de contaminações do senso comum e do imaginário que influenciou toda uma cultura urbana. Mas a cegueira vigente não permite observar que a ECT, um outrora outsider, hoje é o mainstream da moderna terapêutica psiquiátrica.

    Dessa forma, a consequência é que milhões vão continuar sofrendo e muitos morrendo como resultado da política de saúde mental no país. É chocante, com o perdão do jogo de palavras, mas a solução está logo ali….

    * Agradeço ao Prof. Dr. André Russowsky Brunoni, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por várias informações essenciais para elaboração deste texto.

    Continua após a publicidade

     

     

    Quem faz Letra de Médico

    Adilson Costa, dermatologista
    Adriana Vilarinho, dermatologista
    Ana Claudia Arantes, geriatra
    Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
    Antônio Frasson, mastologista
    Artur Timerman, infectologista
    Arthur Cukiert, neurologista
    Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
    Bernardo Garicochea, oncologista
    Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
    Claudio Lottenberg, oftalmologista
    Daniel Magnoni, nutrólogo
    David Uip, infectologista
    Edson Borges, especialista em reprodução assistida
    Fernando Maluf, oncologista
    Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
    Jardis Volpi, dermatologista
    José Alexandre Crippa, psiquiatra
    Ludhmila Hajjar, intensivista
    Luiz Rohde,
    psiquiatra
    Luiz Kowalski, oncologista
    Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
    Marianne Pinotti, ginecologista
    Mauro Fisberg, pediatra
    Miguel Srougi, urologista
    Paulo Hoff, oncologista
    Paulo Zogaib, medico do esporte
    Raul Cutait, cirurgião
    Roberto Kalil – cardiologista
    Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
    Salmo Raskin, geneticista
    Sergio Podgaec, ginecologista
    Sergio Simon, oncologista

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 9,90/mês*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.