Dormir pouco ou mal pode ser tão prejudicial para a saúde cardiovascular quanto demais fatores de risco, como dislipidemia, tabagismo ou pressão alta. Esta afirmação tem a chancela da conceituada American Heart Association (AHA), que incluiu o sono em um ranking agora denominado Life’s Essential 8, com os oito itens essenciais para uma vida plena: alimentação de qualidade; atividade física; não fumar; controle de peso; controle do colesterol; gerenciar o açúcar no sangue; controle da pressão arterial e o recém adicionado: sono saudável.
A inclusão chega graças às crescentes evidências científicas de que dormir mal impacta diretamente nas condições cardiovasculares. E isso é um grande passo para tentamos combater esta verdadeira pandemia de pessoas que não dormem adequadamente. Quando temos uma noite ruim há maior liberação de adrenalina, aumento da pressão arterial, inflamação dos vasos e outros mecanismos que podem desencadear uma doença cardiovascular, como infarto e AVC. Há também mais chances de alteração nos níveis de açúcar e de colesterol no sangue, além de o organismo ficar mais sujeito a infecções e obesidade. Declínio cognitivo e demência, incluindo Alzheimer e depressão, também estão na lista de consequências danosas que o excesso de vigília traz.
Adormecer é um momento sagrado para recuperar o corpo de maneira geral. Estudos indicam que em 75% do tempo de uma noite bem dormida entramos em sono NREM (Sem Movimentos Oculares Rápidos) e, neste estágio, a frequência cardíaca e respiratória baixam, reduzindo o estresse do coração. Quem não dorme o número de horas suficientes não alcança esta benesse, assim como aqueles que têm o sono interrompido constantemente.
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) – que é credenciada pela AHA em seus cursos de treinamento de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) para profissionais da área de saúde e leigos – realizou, no final de 2022, uma pesquisa com 2.236 pessoas nas cidades de Araçatuba, Araraquara, Bauru, Osasco, Ribeirão Preto, São Carlos, São José do Rio Preto, Sorocaba, Vale do Paraíba e capital para apurar como é o sono dos paulistas.
Os dados que acabam de ser tabulados revelam que quase metade dos entrevistados (46,5%) afirmaram que dormem apenas de cinco a seis horas por dia e 9,5% declararam dormir quatro horas ou menos, enquanto 44% relataram passar mais de setes horas por dia em descanso. A amostragem reuniu 72,9% de adultos, 16,7% de jovens e 10,5% de idosos, sendo 47,1% homens e 52,9% mulheres.
Apesar da alta incidência de sono inadequado, só 21% responderam terem conhecimento de que estes distúrbios são um fator grave para questões cardiovasculares.
Risco em cima do risco
O risco em cima do risco vem do fato de a população negligenciar as horas de sono justamente pela falta de conhecimento de causa. Dormir menos de cinco horas, inclusive, muitas vezes é encarado como um feito positivo: “durmo poucas horas e acordo inteiro”, mas isso não é verdade para a imensa maioria.
A sugestão da AHA são sete a nove horas diárias de sono para adultos. Já as crianças menores de 5 anos precisam de 10 a 16 horas e entre 9 a 12 horas para aquelas na faixa etária dos 6 aos 12 anos. Para jovens entre 13 e 18 anos, o ideal são de 8 a 10 horas por noite.
Por isso a importância de divulgar que esta necessidade fisiológica não pode ser irregular. Precisa ter qualidade e quantidade adequadas. Cabe a nós, cardiologistas – e aos médicos em geral –, incluirmos perguntas correlatas durante as consultas e alertar sobre os malefícios.
Contando carneirinhos
Dormir como os anjos contribui para a restauração celular, de tecidos e vasos sanguíneos, melhora a função cerebral, a criatividade, a produtividade, o humor e a energia para atividades rotineiras. Só quem dorme bem acorda disposto, mantendo reflexos ágeis, sistema imunológico forte e com maior capacidade para criar músculos.
Para quem quer investir na qualidade do adormecimento e, consequentemente, melhorar a saúde, entre as dicas está se deitar sempre no mesmo horário. Além disso é recomendável “desligar”: planeje o dia seguinte com antecedência para que as preocupações não sejam convidadas para a cama.
Exercícios respiratórios e meditação também ajudam a conciliar o sono. Entre os maus hábitos na hora de dormir, o excesso de telas – celular, computador e TV – figura no topo da lista. É difícil, mas se você sofre com insônia vale a pena desapegar dos eletrônicos pelo menos neste período. Ingerir alimentos gordurosos e/ou de difícil digestão ou que favoreçam refluxo não é uma opção de dieta saudável em nenhum momento do dia, mas principalmente poucas horas antes do repouso: a digestão tende a ser mais lenta, comprometendo o sono.
Da mesma forma, é preciso evitar cafeína, nicotina e bebidas alcoólicas sempre, mas especialmente pouco tempo antes de cair nos braços de Morfeu. Precisamos lembrar que dormir é um remédio barato, altamente curativo e, acima de tudo, passa longe de ter gosto amargo. Pelo contrário: quem nunca acordou com uma sensação boa após uma noite bem dormida? Por isso, se está com dificuldades para dormir ou apresenta roncos frequentes, procure ajuda médica!
* Luciano Drager é diretor de promoção e pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e presidente da Associação Brasileira do Sono