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DNA e genealogia: seu passado na saliva e no computador

Com a ajuda da tecnologia, é possível encontrar parentes distantes com auxílio de um teste de DNA e a internet

Por Salmo Raskin
Atualizado em 28 ago 2019, 14h29 - Publicado em 26 ago 2019, 16h39
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  • O famoso filme “De volta para o futuro (Back to the future)”, estrelado por Michael J. Fox, conta a história de Marty McFly, um adolescente que volta no tempo até 1955. Ele conhece seus futuros pais no colégio e acidentalmente faz sua futura mãe ficar romanticamente interessada por ele. Marty deve consertar o dano na história fazendo com que seus pais se apaixonem e, com a ajuda do Dr. Emmett Brown (Christopher Lloyd), encontrar um modo de voltar para 1985. Os diretores Robert Zemeckis e Bob Gale escreveram o roteiro depois de Gale ter se perguntado se ele teria ficado amigo de seu pai se tivessem estudado juntos no colégio. Voltar fisicamente ao passado ainda é ficção científica, mas agora já é possível obter importante informação sobre seu ancestrais com uma pequena amostra da sua saliva, e a ajuda da Internet!

    Influenciado por ser geneticista e por pouco conhecer sobre a história da minha família, há anos investigo quem são meus ancestrais. Acho importante saber de onde nós viemos, para compreender melhor quem nós somos, e para que as futuras gerações tenham estas informações também. Como, desde quando e porque estamos nesta cidade, neste estado, neste país? Qual a história da nossa família há 100, 200, 500 anos atrás? Já podemos ter uma boa ideia destes fatos, até então perdidos no passado, através dos avanços na tecnologia do DNA e da informática. 

    Como funciona o teste de DNA para investigação de ancestralidade?

    O teste parte de princípios básicos de genética: metade do teu DNA vem do teu pai biológico e a outra metade da tua mãe. Teu pai herdou metade do DNA dele do pai dele (teu avô paterno) e a outra metade da mãe dele (tua avó paterna). Tua mãe herdou metade do DNA do pai dela (teu avô materno) e a outra metade da mãe dela (tua avó materna). Além disto, uma parte do material genético é passado de geração em geração só através de homens para seus descendentes homens, aquele contido especificamente no cromossomo Y, um excelente marcador de ancestralidade paterna. Só os homens têm o cromossomo Y, e o DNA contido nele veio do pai, do avô paterno, do bisavô paterno, milhares de gerações para trás. 

    Por outro lado, temos também um excelente marcador de ancestralidade materna, as sequências do nosso DNA mitocondrial, que vieram com certeza da nossa mãe, que herdou somente da mãe dela, que herdou apenas da mãe da mãe dela, também por milhares de gerações. Homens também têm DNA mitocondrial herdado somente de suas mães, mas não transmitem este DNA nem para seus filhos homens, nem para suas filhas mulheres. 

    E assim por milhares de gerações, nosso DNA remonta há um pequeno grupo de mulheres e homens que viverem na África há cerca de 150.000 a 200.000 anos atrás. Da África nossos ancestrais se dispersaram mundo a fora, e as peculiaridades do DNA de um único indivíduo contemporâneo guarda estas marcas históricas e geográficas de séculos de migração. 

    Mas ninguém (nem os gêmeos idênticos!) têm exatamente o mesmo DNA! Algumas “letras bioquímicas” variam de pessoa para pessoa, inclusive entre irmãos, filhos e pais, netos e avós. Tanto as variantes que você compartilha com parentes, quanto aquelas que você não compartilha, podem ser detectadas a partir do DNA contido em todas células do teu corpo, inclusive nas da tua saliva. 

    O parentesco genético entre dois seres humanos pode ser medido por intermédio da frequência e do tamanho de pedaços de DNA idênticos que compartilham, herdados de um ancestral comum a ambos. A porcentagem de DNA que você compartilha com outras pessoas em um determinado pedaço do teu Genoma (“coeficiente de parentesco”) dá uma boa ideia do teu grau de parentesco com elas. Por exemplo, o coeficiente de parentesco entre filhos e pais, e entre irmãos é 1/2; de tios e sobrinhos é igual ao de meios-irmãos ou de primos duplos em primeiro grau, isto é, 1/4; de tios e meio-sobrinhos é 1/8, assim como no caso de primos em primeiro grau; de primos em segundo grau é 1/16; de primos em terceiro grau é 1/32; e assim por diante. 

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    Em termos de tamanho dos pedaços de DNA compartilhado, utilizamos a escala centiMorgan (cM), onde um cM é um pedaço de DNA que equivale a aproximadamente um milhão de bases nitrogenadas. O genoma de um ser humano tem cerca de 6.800 cM. Portanto se, ao comparar o teu genoma com o de outra pessoa, encontrarmos um compartilhamento de 3.400 cM, podemos dizer que vocês compartilham cerca de 50% do genoma, o esperado, por exemplo, em um parentesco entre você e seus pais, ou entre você e seus irmãos. Já com um parente mais distante, digamos, um bisavô, você compartilha pedaços de DNA bem menores, somando em média 881 cM.

    Estes conhecimentos sobre a nossa genética podem agora ser aplicados a informação sobre o DNA de milhões de pessoas, contidas em enormes bancos de dados de DNA, abrangendo quase todas as populações mundiais. Cada população tem suas peculiaridades ao nível do DNA, trazidas pela somatória de inúmeros fatores geográficos, históricos e epidemiológicos. De modo que comparando o tamanho e o número de pedaços que o teu DNA compartilha com o de outras pessoas destes bancos de dados, podemos saber se você é parente de alguém que está no banco de DNA, qual o grau estimado de parentesco e até quem são estes parentes, além de trazer importante informação de que lugar do mundo eles estão e vieram e quais as rotas de migração da família.

    A partir do momento em que você é testado, se autorizar, seu DNA passará a fazer parte destes bancos de dados, e pessoas que futuramente farão o teste, terão seus DNAs comparados também ao teu.

    Como encontrei parentes perdidos há 110 anos e a 12.000 quilômetros de distância

    Até um mês atrás tudo o que eu sabia sobre a família do meu pai é que parte dela tinha emigrado da Rússia para o Brasil em torno de 1914, pouco antes da primeira guerra mundial, incluindo meu bisavô paterno Aizek e meu avô paterno Mauricio. Com estudos de genealogia acoplados a análises de DNA, consegui chegar até parentes que não emigraram e ainda moram na Rússia, e aí as surpresas começaram. Descobrimos cartas, árvores genealógicas e até mesmas fotos guardadas por ambos os lados da família por mais de um século (foto 1), sem que um lado da família soubesse sequer da existência do outro.

     

    VEJA LETRA FOTO 1
    Foto guardada por ambos os lados da família, no Brasil e na Rússia, por mais de um século. Na foto membros do lado russo e brasileiro da família. Os russos não reconheciam algumas pessoas da foto deles (os brasileiros), os brasileiros não conheciam algumas pessoas da foto deles (os russos). (Salmo Raskin/VEJA)
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    Encontramos uma foto do nosso ancestral comum russo, Naftali Hertz Raskin (foto 2), que viveu na cidade de Ekaterinoslav, na Rússia (hoje Dnipro, na Ucrânia), há mais de um século atrás. Um teste de DNA mostrou que o meu cromossomo Y era igualzinho ao do meu primo russo recém descoberto!

     

    VEJA LETRA FOTO 2 NAFTALI HERTZ RASKIN
    Foto do ancestral comum da família, Naftali Herz Raskin, que nasceu na primeira metade do século XIX em Ekaterinoslav (Russia), atualmente Dnipro (Ucrania). (Salmo Raskin/VEJA)

    Estava confirmado o parentesco próximo, pela linhagem paterna!! Raskins brasileiros e russos finalmente reatados por laços do DNA do cromossomo Y (foto 3). 

     

    Y dos raskin
    Linhagem paterna brasileira (a esquerda) e russa (a direita). Todos os homens tem a mesma sequência de DNA do cromossomo Y. Ao centro em cima, o ancestral comum russo, Naftali Hertz Raskin. (Salmo Raskin/VEJA)

    Descobrimos que alguns destes parentes russos emigraram para os EUA, e sabíamos que alguns parentes brasileiros também. Pois nos EUA, um país com 9.834.000 km² de extensão (maior que o Brasil), inacreditavelmente, Raskins russos e Raskins brasileiros, que nem sabiam da existência um dos outros, moravam há anos, a 30 minutos de distância, na Califórnia. Como consequência imediata, há uma semana a família viveu um momento histórico, quase milagroso, o nosso “De volta para o futuro”

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    Após mais de cem anos, sem que uns soubessem da existência dos outros, encontraram-se perto de Los Angeles, nos Estados Unidos, a brasileira residente nos EUA Viviane, filha de Dora e Leão Raskin, bisneta de Aizek Raskin (que imigrou da Rússia para o Brasil em 1914), com as russas residentes nos EUA Anya e Kira Raskin, respectivamente neta e bisneta de um dos irmãos de Aizek Raskin, David Raskin, que ficou na Rússia e teve filhos netos e bisnetos por lá. Parecido com o fictício encontro do filho com seus pais no passado relatado no filme “De volta para o futuro”, o verdadeiro encontro presencial e milagroso dos Raskins russos e brasileiros jamais aconteceria se não fossem os avassaladores avanços na tecnologia do DNA e da informática ocorridos nas últimas décadas. 

    Minha prima Vitória Raskin, também bisneta de Aizek Raskin, criou um blog da nossa família para colocar mais informações sobre estes achados. 

    Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos?

    Há um mês atrás a humanidade comemorou 50 anos da primeira vez que o homem foi à Lua. A possibilidade de responder estas três perguntas impulsionou os cientistas da NASA a buscar as respostas a 384.000 quilômetros de distância do ser humano. Apesar do feito fabuloso para a época e de todo o avanço trazido pela Astronomia, estas respostas não vieram da ida a Lua e nem de outras viagens a planetas distantes. 

    Os cientistas passaram então a refletir se estas respostas estariam a centenas de milhares de Quilômetros da Terra, ou talvez dentro de nós mesmos. Daí surgiu a ideia do Projeto Genoma Humano, e hoje, 20 anos depois da finalização do sequenciamento do Genoma Humano, com o DNA de células da saliva, boa parte destas perguntas começam a ser respondidas.

    E você, gostaria de saber de onde seus ancestrais vieram?

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    Salmo Raskin

     

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