A cada dia que passa, as manchetes dos jornais nos confrontam com uma realidade que transcende as páginas impressas, a tela da TV ou as publicações nas redes sociais: os impactos dos acidentes de trânsito para a saúde das vítimas e para os hospitais que recebem os acidentados. Até então consideradas distantes e meramente estatísticas, as consequências têm se tornado mais próximas de grande parte da população com a escalada dos números nos últimos anos.
Essas tragédias figuram como uma das principais causas de morte no Brasil, impondo um fardo adicional às unidades de saúde já sobrecarregadas. Um cenário que destaca a urgente necessidade de mudanças para aliviar o impacto dessas ocorrências na saúde pública. Os números não mentem. Segundo dados do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), as lesões e a violência relacionadas ao trânsito são classificadas como a terceira principal causa de morte da população brasileira.
Só em 2023, onze pessoas morreram diariamente nas rodovias federais do país em decorrência de sinistros de trânsito. Essa estatística chocante não apenas demonstra a dimensão do problema, mas também revela a necessidade de ações efetivas para combater essa questão de saúde pública que põe fim a tantas vidas e deixa outras centenas de milhares com sequelas permanentes.
Além do impacto emocional devastador para as famílias afetadas, os acidentes de trânsito representam um ônus econômico gigantesco. Os custos associados a leitos hospitalares ocupados, cirurgias de emergência e reabilitação são exorbitantes e acabam sobrecarregando o sistema de saúde.
Apenas no Paraná, os acidentes de trânsito geraram um custo de R$ 36 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo dos anos de 2022 e 2023. Um valor que seria o suficiente para financiar, por exemplo, três novas unidades de alta resolutividade, que oferecem equipamentos modernos, consultas, exames e algumas cirurgias.
Acidentes não acontecem por acaso, mas, sim, por descaso. Essa é a realidade das estatísticas. Prova disso é que nove em cada dez mortes nas rodovias federais foram causadas por falhas humanas ao longo de 2022. Essa é a principal conclusão de um estudo realizado pela Associação Brasileira de Médicos do Tráfego (Abramet), com dados da Polícia Rodoviária Federal.
Com isso em mente, fica fácil saber quais são os principais motivos para tantas vítimas no país. Excesso de velocidade, consumo de álcool e as distrações causadas pelo uso do celular são alguns dos fatores que precisam ser mencionados. Atrás do volante, estão seres humanos suscetíveis a erros. E o que falta é conscientização.
É chegada a hora de agir e reconhecer a urgência de uma mudança profunda em nossa cultura e mentalidade em relação ao trânsito. Se não fosse o alto custo das internações hospitalares por lesões nas estradas, esses recursos poderiam ser direcionados para a prevenção e conscientização dos condutores. A educação, aliada à fiscalização rigorosa e aos investimentos em infraestrutura, poderia combater esse quadro preocupante. Não podemos mais nos resignar diante da violência no trânsito como algo inevitável.
Veículos não devem ser armas. É necessário o empenho conjunto da sociedade, do poder público e das instituições para promover mudanças reais e significativas. É tempo de repensarmos nossa relação com o trânsito e trabalharmos juntos para construir um futuro onde todos possam circular com segurança e tranquilidade.
O que acontece nas estradas impacta diretamente na rotina daqueles que vestem jalecos brancos para salvar vidas. Nos corredores hospitalares, os acidentes de trânsito são uma realidade difícil, exigindo mãos habilidosas para lidar com ferimentos graves e cirurgias de alta complexidade. Cada ocorrência representa mais um desafio a ser enfrentado, mais vidas a serem salvas e mais trabalho dedicado à recuperação dos pacientes.
Essa conexão entre as vias movimentadas e as unidades de saúde evidencia a importância de medidas preventivas e de conscientização no trânsito. Afinal, os leitos ocupados por vítimas de acidentes muitas vezes tiram a chance de outras pessoas receberem atendimento médico de alta complexidade.
Além das estatísticas alarmantes, é crucial refletir sobre o impacto humano por trás dos números. Cada um de nós tem um papel fundamental na transformação dessa realidade. Um ato inconsequente atrás do volante gera uma cadeia de más notícias: para a vítima e o causador do acidente, para os profissionais de saúde que se desdobram no socorro e para outros pacientes que correm risco de ficar sem atendimento.
Assim como prevenimos doenças, defendemos a imunização e cuidamos da saúde de quem amamos, é nosso dever coletivo lutar por um trânsito mais respeitoso e consciente. Caso contrário, estaremos todos na mesma encruzilhada.
* Thiago Cassi Bobato é coordenador médico do Pronto Socorro e do Hospital Universitário Cajuru