Com quase 200 anos de existência, pela primeira vez na história, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco pode contar mais do que um jovem negro formado no seu tradicional curso de direito. A formatura da 191ª turma, com seus 315 alunos, dessa vez trouxe 75 cotistas da escola pública e, entre eles, 35 negros.
Com pouco mais de seis anos de adesão a políticas afirmativas para inclusão de negros, a USP através do seu curso de direito responde para si própria e para toda a sociedade a pergunta imemorial: por que a universidade pública brasileira não teve capacidade ou possibilidade de ser plural e democrática desde seu nascedouro? Por que a diversidade de nossa sociedade nunca pode estar espelhada nos seus corredores e dependências? E por que aqueles que ensinam e pesquisam não representam equitativamente a composição social dos brasileiros?
Em outras palavras, isso ocorre porque os negros (54% dos brasileiros) sempre estiveram do lado de fora. Por que não há reitores negros, professores negros, pesquisadores negros, gestores negros, mestres, doutores e pós-doutores negros, se o dinheiro é público e o princípio estruturante da República é o da isonomia e igualdade de oportunidades?
São perguntas simples de fazer, fáceis de responder e de extraordinária dificuldade de executar quando não há honestidade, compromisso, vontade institucional e mudança dos tempos. Os 35 da 191 respondem a todos nós com presteza e de forma definitiva. Podemos construir a realidade e a verdade que quisermos quando definimos o lado em que escolhemos estar.
A USP e os meninos da 191 do Largo São Francisco nos entregam uma nova resposta, uma nova possibilidade, uma nova proposta. Não é verdade que a realidade é imutável. Não é verdade que nossa capacidade crítica e criativa nos torna menores do que nossa potência inventiva.
Não é verdade que o mérito seja inflexível e não possa ser lido sob diferentes perspectivas.
Não é verdade que existe um destino manifesto que estabeleça lugares determinados e definitivos para os indivíduos por conta da sua raça, cor de pele ou classe social. Pelo contrário, podemos inventar o novo todo o dia e podemos construir um futuro alvissareiro.
Com o mesmo brilho e o mesmo mérito, com a mesma gana e a mesma ambição, os meninos negros da primeira turma de cotistas do Largo São Francisco levantaram, sacudiram a poeira e deram a volta por cima — e desafiam a USP e cada um de nós a fazer e construir mais. Nos conforta por permitir minimamente iniciar a reparação do erro histórico. Muito sucesso e vida longa aos 35 da 191.