Rendido às urnas, Bolsonaro agora ataca pesquisas
"Errada" ou "fraudada", pesquisa eleitoral é problema da empresa que faz e da empresa que paga — e não do governo

Silenciosamente rendido ao sistema de votação eletrônica, depois de passar três anos tentado desacreditá-lo, Jair Bolsonaro agora insufla investigação criminal contra empresas especializadas em pesquisas eleitorais.
O Ministério da Justiça pôs no alvo da Polícia Federal uma dezena de empresas, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, anuncia legislação punitiva para os que erram prognósticos sobre o comportamento de 156 milhões de eleitores.
Mais de mil sondagens em todo o país foram registradas na Justiça Eleitoral no primeiro turno. Prevê-se mais de uma centena até o dia 30. Uma delas, do Ipec, será divulgada hoje à noite.
Na maior parte dos casos, as pesquisas eleitorais têm como clientes empresas privadas, e só algumas são divulgadas. Não deveriam ser tomadas como prognósticos de resultados nas urnas, porque retratam o momento específico em que são realizadas. Bolsonaro e aliados pretendem que esses aspectos sejam irrelevantes. Não são.
Governo e Congresso, por regra, não deveriam interferir em contratos privados, porque nada têm a ver com os cofres públicos. Pesquisa “errada” ou “fraudada” é problema da empresa que faz e da empresa que paga.
Se há interesse público é na forma de divulgação, com critérios transparentes. Esse é um problema da Justiça Eleitoral, responsável pela eficiência na gestão das eleições – mantém, inclusive, um cadastro atualizado das empresas especializadas.
Governo e Congresso não devem se meter nisso, até porque são parte interessada e podem ser questionados por eventuais desequilíbrios na composição das amostras populacionais usadas pelos institutos, que se baseiam no Censo de 2010.
Bolsonaro e o Centrão adiaram o Censo e transferiram a verba destinada ao IBGE para o financiamento de emendas parlamentares no orçamento secreto, ou paralelo. Foi necessária uma ordem do Supremo Tribunal Federal para a realização do recenseamento neste ano — e está atrasado.
Prejuízos ao erário merecem investigação criminal. Não é o caso das pesquisas eleitorais, mas é, sim, o caso do orçamento secreto, ou paralelo.
Recursos públicos foram usados de forma questionável, tanto pela Constituição quanto pela legislação sobre responsabilidade fiscal. Só nesta temporada eleitoral foram cerca de R$ 20 bilhões, nove vezes mais que o custo do Censo interrompido. Sobram suspeitas de desvios, principalmente em estatais como a Codevasf, entregue por Bolsonaro a líderes do Centrão.