Orçamento paralelo tem efeitos corrosivos no Congresso
Gastos bilionários, sem transparência, produziram desigualdade na disputa eleitoral, liquidaram com a isonomia e semearam desconfiança entre parlamentares
É crescente a desconfiança nos plenários do Congresso. Alguns parlamentares se mostram decididos a atravessar o recesso de fim de ano à caça de documentos que comprovem a manipulação de R$ 23,4 bilhões em verbas federais (código RP-9 no orçamento) para aluguel de maioria legislativa favorável a projetos governamentais.
Indícios se espraiam em inquéritos instaurados no Supremo Tribunal Federal, como o que pode levar à cassação do deputado Josimar de Maranhãozinho, líder regional do Partido Liberal de Valdemar Costa Neto. Semana passada ele foi flagrado pela polícia com maços de dinheiro na mão e R$ 2 milhões em dinheiro vivo escondidos em casa e nos escritórios. A vigilância ordenada pelo STF durou um ano, incluiu registros em áudio e vídeo.
O problema é a absoluta falta de transparência nos uso de dinheiro público. Câmara e Senado afirmam não possuir documentação sobre a distribuição da dinheirama, remetem à Secretaria de Governo da Presidência, que era chefiada por Luiz Eduardo Ramos, general da reserva. O governo se esquiva, embora alguns papéis tenham começado a circular e, sabe-se, até pouco tempo atrás uma assistente da Câmara visitava o Planalto com um caderno de registro manuscrito da distribuição aos parlamentares.
Ontem, a senadora Simone Tebet, candidata presidencial do MDB, atribuiu sua derrota na eleição para a presidência do Senado, no início deste ano, à manipulação do governo e do Centrão com dinheiro das emendas orçamentárias (RP-9).
“Na primeira vez [em que se candidatou à presidência do Senado], fui para uma disputa e perdi para um emedebista [Renan Calheiros], que, posso não gostar, mas tem história” — contou ao repórter Daniel Veterman, do Estadão. “Nessa última [contra Rodrigo Pacheco] quando entraram as emendas, o RP-9, no processo, eu não fui só traída pelo MDB. Quantos colegas disseram que iam votar em mim e não votaram? Não posso imputar minha derrota ao MDB.”
Gastos bilionários no orçamento paralelo, sem transparência, produziram desigualdade em escala inédita na disputa eleitoral, liquidaram com a isonomia entre parlamentares e semearam desconfiança nos plenários. Alguns deputados e senadores, aliados do governo e da oposição, apoiaram o governo em votações e receberam uma ajuda extra, em verbas orçamentárias, para turbinar suas campanhas de reeleição. Os efeitos tendem a ser progressivos e corrosivos para os presidentes das Casas, os líderes do Centrão e o governo Jair Bolsonaro.