“Eu peço licença [ao plenário do Supremo], apenas para uma palavra sobre um fato que foi amplamente noticiado na data de ontem (27/04), mas que precisa de ser apurado, porque diz respeito à circunstância de que uma menina de 12 anos, indígena, teria sido estuprada até a morte em ataque de garimpeiros na comunidade de Aracaçá, região de Waikás, na Terra Yanomami, em Roraima (…) A violência e a barbárie praticada contra os indígenas estão ocorrendo há 500 anos, não diferente da violência que vem ocorrendo, especialmente contra as mulheres no Brasil, de uma forma crescente. Parece que a civilização tem significado apenas para um grupo de homens. O Poder Judiciário atua mediante provocação, o cidadão atua pela dor. Dor como é provocada, que poderia ser em qualquer parte do planeta, numa crueldade letal contra as mulheres. Esta perversidade, acho, não pode permanecer apenas como dados estatísticos, como notícias, como se fossem fatos normais da vida. Não são. Nem podem permanecer como notícias que se formalizam em intermináveis processos que nunca esclarecem, nem punem, os autores das barbáries praticadas. O feminicídio no Brasil vem mostrando a média de quatro mulheres mortas a cada dia, como se divulgou neste mês de março. As mulheres indígenas são massacradas sem que a sociedade e o Estado tomem as providências eficientes para que se chegue à era dos direitos humanos para todos, não como privilégio de parte da sociedade. Não é mais pensável qualquer espécie de parcimônia, tolerância, atraso ou omissão em relação à prática de crimes tão cruéis e gravíssimos (…) Há que se adotar providências claras, seguras, continuadas, para que não apenas que este caso que foi noticiado se esclareça — se ocorreu, como ocorreu, em que condições –, para que se processe nos termos dos direitos humanos.”
(Cármen Lúcia, juíza do Supremo Tribunal Federal.)