Uma das caixas-pretas do ativismo radical ruralista foi iluminada ontem, com o bloqueio judicial de ativos financeiros da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e de sua filial de Mato Grosso.
A associação de sojicultores está sob suspeita de desviar recursos públicos para atividades político-partidárias, como o “financiamento de agentes” responsáveis pela organização de comícios marcados para hoje em São Paulo e Brasília em apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. A entidade nega ter financiado, apoiado ou convocado “para atos criminosos e violentos de protesto”.
A Aprosoja existe desde 2005 e é liderada por Antonio Galvan. Gaúcho de Sananduva, há 35 anos ele mantém negócios em Veras, norte do Mato Grosso, principal produtor nacional de grãos, algodão e que reúne o maior rebanho bovino. Diz comandar uma associação de 240 mil sojicultores em 16 estados, mas não se conhece o cadastro.
Ativista radical, Galvan encontrou no bolsonarismo uma porta para ascensão no sindicalismo rural. Há década e meia estava restrito a entidades locais. Virou a mesa em abril. Fez o sucessor na seção estadual e se elegeu presidente nacional, depois de criar a própria maioria nas urnas — com votos de novos sócios, sojicultores que filiou recentemente.
A Aprosoja é privada, mas o caixa é adubado pelos cofres públicos num obscuro arranjo institucional, contestado há dois anos no Supremo Tribunal Federal por agricultores e pecuaristas do Mato Grosso.
O Estado criou o Fundo de Transporte e Habitação (Fethab) e mais sete similares, pelos quais impõe contribuições obrigatórias aos produtores rurais, empresas de exportação e de comércio de óleo diesel, gás e energia elétrica.
Somam arrecadação de R$ 2 bilhões por ano, equivalente a 10% do orçamento do Mato Grosso. Na prática, funcionam como taxas adicionais à tributação local (ICMS), com efeito cascata para os contribuintes, e à margem da Constituição.
Os recursos desses fundos têm gerenciamento de entidade de direito privado, descolada da administração estadual. Arrecadado em nome do Estado, o dinheiro é público. Mas acaba dividido entre órgãos estaduais e entidades privadas, como a Aprosoja local e a nacional.
Produtores representados pela Sociedade Rural Brasileira recorreram ao STF contra essa forma compulsória de tributação paralela, num orçamento clandestino de fundos impulsionados por sucessivos aumentos de alíquotas nos últimos seis anos. “Viola princípios de transparência e moralidade, além de desvio de finalidade”, argumentam, acusando a “forma nada republicana com que o Estado do Mato Grosso resolveu ‘dividir’ o dinheiro público, inclusive premiando algumas entidades privadas”.
Não há transparência, mas sabe-se que a Aprosoja-MT leva cerca de R$ 100 milhões dos cofres públicos e R$ 40 milhões adubam as finanças da associação nacional.
Obscuras, também, são as operações dessas entidades. Galvan tem formação em contabilidade, mas as contas do seu último ano de gestão na seção estadual foram reprovadas pelo conselho fiscal dos produtores rurais: 72% dos contratos que fez no ano passado, representando gastos de R$ 18,5 milhões, foram declarados irregulares.
A Procuradoria-Geral da República mapeia a rota do dinheiro público que sai do caixa dessas entidades até a campanha de reeleição de Bolsonaro. Informou ao STF ter reunido evidências de desvio de recursos para financiar a organização de eventos do presidente-candidato.
O bloqueio judicial das contas e o rastreamento do dinheiro da Aprosoja, determinado pelo Supremo a pedido da procuradoria-geral, lança luz sobre essa caixa-preta do ativismo radical rural no Centro-Oeste. Expõe o manejo político de um mecanismo financeiro pouco conhecido do sindicalismo empresarial atrelado aos cofres públicos.