Lula, sem votos, está cada vez mais dependente de Lira
Escassez de apoio na Câmara deixa o governo em situação complicada no Congresso
Quando o presidente da República, com dois meses de mandato, não consegue garantir o mínimo de 257 votos na Câmara para aprovar um simples projeto de lei, é sinal de que a situação do governo está complicada no Congresso.
Arthur Lira, presidente da Câmara, chamou atenção para as dificuldades na organização da base parlamentar governista. Ele tem razão.
Lula elegeu-se com 60 milhões de votos, mas sua bancada na Câmara está restrita a 130 deputados — integrantes do PT, PCdoB, PV, Rede, PSB, Psol, PDT e Solidariedade. Isso representa 25,3% do plenário de 513 parlamentares.
Numa conta básica, faltariam 127 votos para que o governo pudesse aprovar um projeto de lei ordinária. É necessária maioria absoluta (257 votos) em turno único de votação.
Para aprovar emenda à Constituição o desafio é muito maior: precisaria somar os seus 130 votos aos de outros 178 deputados e alcançar o mínimo necessário de 308 votos em dois turnos de votação.
Não há evidência de avanços de Lula para resolver sua inanição de votos na Câmara. Por enquanto, concentra energia em outra direção: impedir que a oposição se fortaleça na criação de Comissões Parlamentares de Inquérito que possam, pelo desgaste, atrapalhar a agenda do governo no Legislativo.
Para criar uma CPI são necessários 171 votos. O quórum é similar ao requerido para inviabilizar a abertura de um processo de impeachment (o primeiro pedido contra Lula foi apresentado em 24 de fevereiro, quando ele ainda não completara dois meses de mandato).
A oposição foi mais rápida que o governo. Reuniu 171 assinaturas para uma CPI sobre a insurreição de 8 de janeiro, com foco em supostas omissões do Ministério da Justiça. Surpreendido, o governo começou a negociar desistências, mas para cada par de assinaturas que conseguiu retirar, cinco outras foram registradas no protocolo da Câmara.
Para lidar com esse tipo de dificuldade, criou outras: agora, a bancada governista está empenhada em estabelecer uma variedade de CPIs para ocupar a fila (somente cinco podem funcionar, simultaneamente).
Em um caso identificou plena convergência de interesses com a oposição, a CPI das Americanas, com o objetivo de expor em público aquilo que Lula já classificou como “fraude” bilionária dos acionistas da empresa de varejo.
É uma questão essencialmente privada, mas justificou-se a interferência do Legislativo — o “fato determinado” — com prejuízos difusos à “imagem do mercado de capitais”. Numa ironia, o governo demonstra zelo com o conceito público do mercado que Lula difama em discursos diários.
O jogo no Congresso mal começou. O governo, em tese, tem armamento suficiente para vencer as principais batalhas legislativas, como as legislações sobre controle de gastos e dívidas e a reforma tributária. Enredado na própria inabilidade, está cada dia mais dependente do apoio de Arthur Lira. Cada votação tende a custar-lhe mais que a anterior no balcão de negócios políticos.